
Uma porta pequena, quase sem identificação, em uma estreita sala comercial de um edifício antigo no centro da cidade. Na maioria das vezes, são essas as características de uma típica alfaiataria curitibana. Lá, entre rolos de tecidos e entretelas, fitas métricas e caixinhas de aviamento, trabalha um profissional hoje requisitado por poucos, mas nem por isso dispensável: o mestre alfaiate.
Grande parte deles já está na casa dos 50 anos de idade e, para tornarem-se mestres, passaram por um longo processo (de aprendiz a oficial calceiro, paletozeiro ou coleteiro; e de contramestre a mestre alfaiate) até adquirirem o conhecimento necessário para administrarem suas próprias alfaiatarias. Estas, na era da produção em massa e dos produtos descartáveis, sobrevivem graças às sutilezas de uma técnica artesanal que preza pelo trabalho minucioso e o bom acabamento.
Essas e outras particularidades inerentes ao universo da alfaiataria em Curitiba estão reunidas em um livro ricamente ilustrado com fotografias. Lançado no último sábado (6), no Jardim do Solar do Rosário, Alfaiatarias em Curitiba é resultado de uma intensa pesquisa feita a oito mãos por Valéria Oliveira Santos (antropóloga), Dayana Zdebsky de Cordova (produtora e antropóloga), Fabiano Stoiev (historiador) e João Castelo Branco Machado (fotógrafo e antropólogo). Por cerca de um ano e meio, o grupo visitou diversas alfaiatarias curitibanas com a intenção de reunir, sistematizar e tornar acessíveis ao público informações sobre esse universo.
Financiada pelo edital de Identificação e Registro do Patrimônio Imaterial, da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), a pesquisa que deu origem ao recém-lançado livro busca mais que apenas catalogar os estabelecimentos em funcionamento. De formato compacto, com textos breves e linguagem acessível, o livro divide-se em capítulos que buscam desde situar o leitor quanto à anatomia e os objetos comumente encontrados nos ambientes de trabalho dos alfaiates, até informá-lo sobre as estratégias de sobrevivência adotadas pelas alfaiatarias.
"A distinção do trabalho do alfaiate está ligada ao domínio que ele tem de todo um conjunto de técnicas corporais que vão da maneira peculiar de manusear as agulhas, os dedais e as pesadíssimas tesouras, até a perícia em ajustar o caimento do tecido ao corpo do cliente", explica a antropóloga Valéria Oliveira Santos, uma das autoras da pesquisa.
E é exatamente nos detalhes, tão valorizados pelos mestres-alfaiates, que reside o motivo da permanência da profissão, mesmo diante da redução do número de clientes (que preferem a praticidade de adquirir ternos em lojas de departamentos) e da ausência de instituição de ensino que passe adiante os conhecimentos básicos para a formação de um alfaiate.
"A durabilidade do terno feito sob medida é maior que a dos ternos de confecção, feitos em série e disponíveis em lojas de departamentos e de artigos masculinos. A diferença aparece no entretelamento, porque essas confecções só colam uma entretelinha aqui na gola. Nem tem entretela. Não sei o que eles põem lá que é tudo molinho, molinho", explica um dos profissionais entrevistados para o livro mas não-identificado, referindo-se ao aviamento utilizado entre a fazenda e o forro do terno para encorpá-lo (entretela).
Com uma tiragem inicial de 2 mil exemplares, Alfaiatarias em Curitiba terá distribuição dirigida entre alfaiates, escolas de moda e bibliotecas (os que desejarem adquirir um exemplar devem escrever para alfaiatesealfaiatarias@gmail.com). Mas a publicação não deve ser o único produto originado da pesquisa feita pelo quarteto de estudiosos.
"Sentimos que o assunto não se esgotou e estamos em fase de captação de recursos para um média-metragem em que pretendemos falar das estratégias de reprodução dessa profissão e dos rumos futuros da alfaiataria", conta Valéria.



