O trailer de A Rainha, novo filme do diretor britânico Stephen Frears (de Ligações Perigosas e Minha Adorável Lavanderia), é emblemático. Em uma montagem vertiginosa, cenas documentais da derradeira noite na vida da princesa Diana, mostram desde sua saída do Hotel Ritz, em Paris, até imagens perturbadoras do carro que a transportava, destruído depois do acidente que tirou sua vida e a do namorado, o magnata Dodi Al-Fayed, em 31 de agosto de 1997. A edição é sucedida por imagens, agora em versão dramatizada, do momento em que a rainha Elizabeth II e o príncipe Phillip são acordados no meio da madrugada, no castelo da família real britânica na Escócia, para serem informados de tragédia envolvendo sua ex-nora e mãe de seus netos, William e Harry.
Ao optar pelo uso de imagens reais do dia do acidente, costurando-as a sua versão do que teria acontecido nos bastidores da monarquia e do governo britânicos nos dias que sucederam a morte de Diana, revelam o intuito tanto de emprestar maior dramaticidade ao filme quanto de induzir o espectador a "acreditar mais" no que está sendo contado na tela, dando-lhe um senso de realidade. A escolha do cineasta, um dos mais importantes do cinema britânico nas últimas três décadas, parece estar rendendo frutos. A Rainha já é um grande sucesso internacional. Faturou perto de US$ 48 milhões nos mercados onde foi lançado (muito poucos, diga-se de passagem) e tem fortes chances de ser um dos títulos mais lembrados quando começar a temporada de prêmios nos Estados Unidos e no Reino Unido, que culmina em março com a entrega do Oscar. E, em pelo menos uma categoria, é considerado franco favorito: melhor atriz. A veterana e excepcional Helen Mirren, reconhecida no último Festival de Veneza por sua atuação em A Rainha, tem grandes chances de ganhar sua primeira estatueta, depois de duas indicações a melhor coadjuvante, por As Loucuras do Rei George e Assassinato em Gosford Park.
No que muitos consideram um tendência dentro do chamado "cinema sério" em Hollywood, filmes sobre vultos e fatos históricos vêm ganhando espaço crescente nos últimos anos. Basta lembrar o número de atores que venceram o Oscar por interpretarem personagens reais: Phillip Seymour Hoffmann (o escritor e jornalista Truman Capote, em Capote), Jamie Foxx (o cantor Ray Charles, por Ray), Nicole Kidman (a escritora Virgina Woolf, de As Horas) e Charlize Theron (a serial killer Aileen Wuornos, de Monster). Só para citar alguns.
Estaria a ficção em crise? Talvez não no âmbito do cinema mais autoral e independente, onde projetos experimentais ainda frutificam, mas a escassez de grandes roteiros, originais e sem um pé na vida real, dentro do chamado cinema de indústria, é evidente. E, na safra deste final de ano, não é diferente.
Cultura pop
Além de A Rainha, vários outros títulos carregam a grife "baseado numa história real". Apontado pela imprensa norte-americana como favorito ao Oscar de melhor filme, o musical Dreamgirls (de Bill Condon, de Deuses e Monstros e Kinsey) é a adaptação para o cinema de um espetáculo da Broadway, que, por sua vez, tomou como base a trajetória do trio de soul The Supremes, contratado da célebre gravadora de black music Motown. O grupo, que emplacou dezenas de hits entre as décadas de 60 e 70, revelou a diva Diana Ross e entrou para a história da cultura pop do século passado.
Em suas memórias, Dreamgirl My Life as a Supreme, a cantora Nancy Wilson, outra integrante do trio, disse que assistir ao musical foi uma experiência transformadora. Segundo ela, o espetáculo lhe deu a possibilidade de "rever sua vida e carreira sob um outro prisma".
Para os críticos, o sucesso de Dreamgirls é inevitável. Além de trazer no elenco grandes nomes, como a popstar Beyoncé Knowles (no papel de Diana Ross), Jamie Foxx e Eddie Murphy, o filme tem, dizem as primeiras resenhas, um apelo universal, ao discutir a questão do sucesso e da vaidade, tendo como pano de fundo histórico as mudanças radicais pelas quais o mundo da música estava atravessando na década de 60. Isso sem falar da trilha sonora.
Black power
Desde que, em 2001, Halle Berry (A Última Ceia) e Denzel Washington (Dia de Treinamento) venceram, respectivamente, o Oscar de melhor atriz e ator, os negros andam em alta em Hollywood. Jamie Foxx levou sua estatueta para casa e, neste ano, outro grande nome afro-americano tem chances de ter a mesma sorte. Trata-se do ótimo Forest Whitaker, esnobado em 1988 por seu grande desempenho no papel do saxofonista de jazz Charlie Parker. Passadas quase duas décadas, o ator (e também diretor) está sendo apontado como um dos favoritos ao prêmio de atuação masculina. E, mais uma vez, por um filme sobre um personagem histórico: Idi Amin Dada, presidente de Uganda entre 71 e 79.
Uma das figuras mais controversas do cenário internacional na década de 70, o ditador ficou conhecido por sua truculência e brutalidade, que deixou ao longo de seu governo uma trilha de milhares de assassinatos. Idi Amin, um homem imenso, de 1m90 e 110 quilos, é retratado como maluco intempestivo e delirante em The Last King of Scotland, filme de Kevin Mcdonald (do documentário oscarizado Um Dia em Setembro), sob o ponto de vista de seu médico, o jovem escocês Nicolas Carrigan (James McAvoy), que, além de tratar do ditador, também foi seu confidente e uma espécie de filho substituto.
Outra figura polêmica é o foco do novo filme de Sofia Coppola, Maria Antonieta (Homem-Aranha), que, ao lado do marido, o rei Luiz XVI (Jason Schwartzman, de Rushmore), foi decapitada em 1789, em decorrência da Revolução Francesa. Vivida por Kirsten Dunst, a monarca de origem austríaca ganha uma visão redentora no longa, que a mostra como uma adolescente que terminou de crescer na corte francesa sem qualquer senso de realidade e acabou sendo vítima das circunstâncias que a cercavam. Criticado por não ser fiel aos fatos históricos e, principalmente, por sua ousadia formal, que mistura figurinos de época a uma trilha de pop rock oitentista, Maria Antonieta dividiu opiniões, o que sempre pode ser um bom sinal.
Segunda Guerra Mundial
Um dos temas favoritos do cinema norte-americano, talvez por ter sido a última grande vitória militar dos EUA, a Segunda Guerra Mundial está de volta à cena em dois filmes geminados de Clint Eastwood, com produção de Steven Spielberg: A Conquista da Honra e Letters of Iwo Jima, nos quais o confronto entre as tropas ianques e japonesas é retratado da perspectiva de ambas as partes envolvidas.
A idéia para a realização dos longas-metragens partiu da curiosidade em torno da história dos soldados retratados empunhando a bandeira americana na célebre e iconográfica escultura instalada em Washington D.C., capital dos EUA. Citado como um dos favoritos aos prêmios da crítica e a indicações ao Oscar, A Conquista da Honra vai enfrentar a concorrência de seu filme-irmão. O lançamento de Letters of Iwo Jima foi antecipado para dezembro, também de olho no impulso comercial que as láureas podem lhe dar. Mais uma prova de que temas históricos estão definitivamente em alta.
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