Park City (EUA) – Anteontem, a sessão que exibia um dos destaques da Mostra Spectro no Festival de Sundance esteve lotada. Mas ao invés de um dos muitos diretores estreantes e em início de carreira, a vez era de Haskell Wexler, de 82 anos, um dos mais consagrados fotógrafos do cinema. Wexler é responsável pela fotografia de clássicos como Um Estranho no Ninho, Amargo Regresso, Quem Tem Medo de Virginia Woolf? e Esta Terra é Minha Terra. Os dois últimos lhe valeram o Oscar de melhor fotografia, respectivamente em 1966 e 1976.

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Mas o veterano Wexler é também diretor e já realizou nove filmes, entre eles Latino e Brazil: Report on Torture, em co-direção com Saul Landau. Seu novo trabalho – que está sendo exibido fora de concurso nesta 22.ª edição do Festival de Sundance – é Who Needs Sleep?, que realizou em co-direção com Lisa Leeman.

O filme é sobre os estúdios de hoje, que, presos aos compromissos com seus acionistas, visam os lucros acima de tudo. E para obtê-los não importa muito se as pessoas que lá trabalham são exploradas até o limite máximo de suas condições físicas e psicológicas, mesmo que isso implique no risco de suas vidas.

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Em entrevista ao Caderno G, Wexler falou sobre a origem do filme, suas passagens pelo Brasil e sua carreira como fotógrafo e diretor. "Em 1997, a morte de um amigo e pai de família me perturbou profundamente. Ele era o assistente de câmera Brent Hershman, que após trabalhar 19 horas seguidas no set de filmagem, dormiu ao volante, bateu o carro e morreu. A partir daí, decidi firmemente que faria um filme mostrando como a falta de sono e longas horas de trabalho podem ser tremendamente perigosas para as pessoas", conta, complementando que levou seis anos para conseguir iniciar as filmagens.

Além do tempo decorrido para realizar seu projeto, Wexler teve que conviver também com as dificuldades para conseguir depoimentos. "Para documentar a denúncia, realizei uma extensa pesquisa sobre descobertas médicas a respeito das conseqüências que a privação do sono pode causar nos seres humanos e precisei de muita persuasão para conseguir os depoimentos de pessoas ligadas à indústria de Hollywood. É sempre difícil fazer com que falem, pois temem ser demitidas ou sofrer outras conseqüências, o que é perfeitamente compreensível", afirma.

Wexler acredita que a situação se agravou devido à força que os sindicatos perderam nos últimos anos. "Eles hoje fazem muito pouco a respeito da situação dos técnicos que trabalham até 19 horas por dia. Agora, está havendo uma tentativa de resistência em torno de um grupo que já soma 2000 técnicos, interessados em fazer alguma coisa para alterar esse quadro. Espero que consigam", deseja.

Embora tenha estado no Brasil para buscar elementos para um documentário sobre tortura, Wexler tem saudades do país. "Tenho boas lembranças, convivi com jangadeiros no Nordeste e também estive no Rio de Janeiro e em São Paulo. Vi muita pobreza, muitas coisas tristes, mas no fim de tudo, acho que foi uma viagem ótima", avalia.

O filme traça um retrato das tensões dominantes em 1971, através do relato de ex-presos políticos. "Brazil: a Report on Torture não chegou ao circuito comercial nem no Brasil nem nos Estados Unidos. Tem sido muito exibido, mas somente em centros de estudos e em universidades", conta Wexler, que tem pautado seu cinema pelo viés político em tom documental.

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O diretor, de obras muito pessoais e fotógrafo premiado, diz que gosta igualmente de fotografar e dirigir. "Não tenho preferência entre as duas coisas. O importante é trabalhar em filmes que acrescentem algo em termos políticos, sociais e até mesmo artísticos. Essa proposta é a que realmente me gratifica. Fazer, por exemplo, um filme como Amargo Regresso com (o diretor Hal) Ashby me deu enorme prazer, porque participei de um trabalho que documenta uma época de resistência democrática nos Estados Unidos contra a guerra no Vietnã", revelou.

Wexler tem uma mensagem otimista para o cinema independente. "As novas tecnologias e os últimos equipamentos surgidos, sobretudo digitais, estão permitindo que se façam filmes realmente independentes. E alguns, pela sua criatividade e inovação, estão formando platéias e rendendo dinheiro. Isso vai salvar o cinema.