Nelson Xavier: de cético a apaixonado pela vida de Chico Xavier| Foto: Ique Esteves/Divulgação

Pegar um avião sacolejante com o ator Nelson Xavier inevitavelmente fez esta repórter associar o momento, com certo pavor, à cena tragicômica protagonizada por ele no longa-metragem Chico Xavier, de Daniel Filho.

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Ator e jornalista retornavam da pré-estreia do filme, na última quarta-feira, em Paulínia, interior de São Paulo, seguida de uma entrevista coletiva em que Xavier revelou ter vivido uma verdadeira revolução espiritual após encarnar com absurda verossimilhança o médium mineiro falecido em 2002 – que completaria 100 anos no próximo dia 2 de abril, data da estreia do filme.

Uma turbulência em um voo entre Belo Horizonte e Uberaba, onde Chico Xavier viveu dos 49 anos até o fim da vida, fez com que o calmo espírita começasse a gritar, clamando por todos os santos, e fazendo com que os outros passageiros entrassem em pânico. Afinal, se a maior "antena" do Brasil, como era chamado por se comunicar com os espíritos, estava tão apavorada, era porque a morte os espreitava. Neste momento, seu guia espiritual, o espírito Emmanuel, aparece e manda ele se calar de modo autoritário.

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A estranha cena parece um tanto deslocada em meio a um filme de tintas dramáticas. Mas Daniel Filho conta tê-la encenado exatamente como aconteceu, assim como outros fatos pinçados pelo roteirista Marcos Bernstein da biografia As Vidas de Chico Xavier escrita pelo jornalista Marcel Souto Maior.

"O filme faz um retrato quase jornalístico de uma figura tão intrigante e idolatrada", diz o autor sobre esta produção encabeçada por pessoas que puseram em xeque seu ceticismo após mergulhar no universo do médium que psicografou mais de 400 livros e reverteu toda a renda a instituições de caridade.

Encontro marcado

Há 15 anos, um cético Souto Maior bateu na porta do médium mineiro para escrever a biografia por "simples interesse jornalístico". Ao conhecê-lo, lágrimas escorreram de seu rosto sem que ele sentisse nenhuma emoção. "Achei que era m goteiras que pingavam do teto", conta. Se tal fenômeno o surpeendeu, o que dirá Nelson Xavier, que reviveu o espírita nas telas? Absolutamente descrente, o ator costumava se irritar ao ser confundido com o Chico Xavier, seja por sua semelhança física ou pelo sobrenome. Há cerca de seis anos, ele recebeu o livro enviado pelo próprio Souto Maior, com uma dedicatória pedindo-lhe que interpretasse o biografado no cinema. "Li, me deslumbrei com a trajetória de Chico e desejei fazer o papel. Nunca desejei fazer um papel antes disso", conta.

A julgar pela aparência emocionada do ator durante toda a entrevista coletiva, sua vida se divide em antes e depois de intepretar Chico Xavier. "Foi como se uma cachoeira de emoção tivesse tomado conta de mim, algo que ultrapassou a vida profissional. Descobri que a gente precisa acreditar no amor, prestar mais atenção nele. Chico vai me acompanhar sempre a partir de agora", diz.

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Outro cético, o ateu Daniel Filho, que no início queria apenas produzir o longa, aceitou dirigi-lo após uma árdua tarefa de convencimento dos produtores associados, que terminou, tal como aconteceu com Souto Maior, vertendo lágrimas não-intencionais.

A co-produção da Sony Pictures, Dowtown Filmes, Globo Filmes e Estação da Luz impressiona não só pela cifra de R$ 11 milhões do orçamento como pelo elenco gigantesco, de 135 atores e cerca de mil figurantes, encabeçado por estrelas como Tony Ramos, Christiane Torloni, Letícia Sabatella, Luís Mello, Pedro Paulo Rangel, Paulo Goulart, Giulia Gam e Giovana Antonelli.

Nelson Xavier interpreta o médium na última fase de sua trajetória mostrada no filme, entre 1969 e 1975. "Não havia como não contar este momento que é o mais fresco na cabeça das pessoas", opina Souto Maior. É nesta fase, aos 60 anos, que ele se torna célebre por seu trabalho na Casa da Prece, em Uberaba, onde psicografava mensagens dos mortos aos seus familiares, e é sabatinado por quase três horas no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi, em 1971 – cujos trechos fielmente encenados norteiam todo o filme.

Há ainda dois outros momentos-chave da vida do médium. O ator-mirim Matheus Costa, que interpreta Chico Xavier na infância, surge em cena lambendo a ferida de outra criança, por ordens de sua madrinha malvada (Giulia Gam). "A cena representa o que ele fará metaforicamente durante toda a sua vida ao consolar mães desejosas de entrar em contato com seus filhos falecidos", analisa Daniel Filho.

A aparência pouco lembrada do médium ainda jovem ganha as feições de Angelo Antonio (no papel de outro Francisco, após 2 Filhos de Francisco), que vive o personagem entre 1931 e 1959. "Ensaiamos muito juntos, nos espelhamos uns nos outros para fazer uma pessoa só", conta Nelson.

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Enquanto Chico/Nelson Xavier é sabatinado no Pinga-Fogo sobre questões polêmicas como sexo, catolicismo e bebês de proveta pelo jornalista Saulo Guimarães (em grande atuação de Paulo Goulart), o diretor da TV Tupi, o personagem Orlando (vivido por Tony Ramos) conduz a transmissão ao vivo da entrevista. Ao mesmo tempo, ele e sua mulher Glória (Christiane Torloni) vivem um drama que toma boa parte da trama e que será solucionado com a intervenção do médium.