No Roda Viva do dia 28 de março de 1994, perguntaram a Paulo Francis (1930 1997) se ele achava que Luís Inácio Lula da Silva poderia ser um bom presidente. Como de hábito, o jornalista não titubeou: "Ele não tem condição nem para ser torneiro mecânico, ele perdeu um dedo." Uma das muitas tiradas geniais que ocorreram durante entrevistas do programa, exibido pela TV Cultura sempre nas noites de segunda-feira.
Além de ser o melhor e isso é mais ou menos um consenso , o Roda Viva é também o mais antigo exemplar do gênero na televisão brasileira. Em setembro deste ano, completa duas décadas de existência.
Para comemorar a data, o jornalista Paulo Markun teve a idéia de transcrever uma seleção de entrevistas e transformá-las em livro. Desse esforço, embalado pela Lei de Incentivo à Cultura, surgiram os três volumes de O Melhor do Roda Viva (Conex, R$ 55 cada). Divididos em "Poder", "Cultura" e "Internacional", cada exemplar reúne 20 entrevistas (confira quadro com as personalidades escolhidas). Markun, na condição de organizador dos livros e apresentador do programa, participa hoje, às 19 horas, do lançamento de suas crias com bate-papo e sessão de autógrafos na Livrarias Curitiba do Shopping Estação.
De Ronaldo Caiado em 1986 a Hugo Chávez no ano passado, transformar as entrevistas do Roda Viva em livro é o tipo da idéia que faz as pessoas se perguntarem "por que ninguém pensou nisso antes?". "Talvez porque o programa teve vários apresentadores (foram 20) e nenhum ficou por muito tempo", arrisca Markun que, com quase oito anos, já é o recordista. Em maio do ano passado, ele se tornou também diretor da produção. Até setembro, o projeto de transcrição almeja disponibilizar cerca 220 entrevistas na internet e, o que é melhor, gratuitamente.
Markun explica que a idéia original era colocar 60 entrevistados em cada volume, com apenas cinco páginas para cada um. "Mas depois de transcritos quase 200 programas, selecionando um terço deles, ficou evidente que uma redução tão drástica cada entrevista gira em torno de 40 páginas de texto comprometeria a fidelidade ao pensamento e às opiniões dos entrevistados", escreve nas apresentações dos livros.
O organizador explica que a seleção obedeceu o desejo de estabelecer "um painel minimamente representativo da diversidade de correntes de pensamento, áreas de atuação e trajetórias pessoais". Algumas entrevistas tiveram questões sintetizadas e outras ignoradas, "buscando preservar o mais relevante e duradouro". Há momentos antológicos que aparecem intocados como a peleja entre o publicitário Francesc Petit, da agência DPZ, e o fotógrafo Oliviero Toscani, cujas imagens e campanhas publicitárias para a Benetton ficaram conhecidas no mundo todo.
Petit, enfurecido pelas críticas que Toscani faz aos publicitários em geral, diz que o fotógrafo e Luciano Benetton "são mais espertos e mais sem-vergonhas que os publicitários". Sem alterar a voz, Toscani rebate: "É estranho que se fale do meu trabalho e não do seu. O meu é mais interessante do que as milhares de páginas que o senhor produz e que ninguém conhece... Talvez, fora do Brasil, ninguém conheça. Posso entender o porquê." Depois dessa, Petit não abriu mais a boca no programa, exibido em 10 de julho de 1995.
"Certas entrevistas não sobrevivem em texto como as de Dercy Gonçalves e Regina Casé. A espontaneidade delas é ótima para a tevê, mas só para a tevê", diz Markun, que cita a entrevista com Evo Morales (que não aparece no livro), feita em La Paz, pouco antes da assinatura do decreto de nacionalização do petróleo e gás natural, como um dos momentos mais emocionantes da sua história com o Roda Viva.
A TV Cultura de São Paulo, responsável pela produção do Roda Viva, faz parte da Fundação Padre Anchieta Centro Paulista de Rádio e TV Educativas, uma organização não-governamental o que significa um bocado de independência. Hoje, às 22h30, o programa terá a participação de Dilma Rousseff, Ministra-chefe da Casa Civil.
Serviço: Lançamento (com sessão de autógrafos e bate-papo) do livro O Melhor do Roda Viva, organizado pelo jornalista Paulo Markun. Livrarias Curitiba do Shopping Estação (Av. Sete de Setembro, 2.775). Hoje, às 19h. Entrada gratuita.
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