Ana Lúcia Torre e o liquidificador: roteiro criativo e atores conceituados| Foto: Divulgação

Diante do blockbuster nacional Tropa de Elite 2, que atinge a marca de mais de 4 milhões de espectadores, será difícil chamar a atenção do público para uma pequena comédia que retorna a Curitiba após ter sido exibida em uma sessão do teste de audiência da Caixa Cultural. Mas Reflexões de um Liquidificador, do paulistano André Klotzel (Marvada Carne, estrelado por Fernanda Torres), promete agradar pela sua extrema originalidade.

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Este é um daqueles pequenos grandes filmes que encantam pela criatividade do roteiro e o belo desempenho dos atores, tão comuns aos cinemas argentino e uruguaio, feitos com orçamentos bem mais modestos e, por isso mesmo, mais focados em contar boas histórias. O filme, inclusive, foge totalmente do universo temático da cinematografia nacional, que privilegia, de um lado, a violência e as questões sociais e, de outro, o existencialismo e os regionalismos.

A começar pelo surrealismo do "falso" protagonista da história: um liquidificador velho que narra a história com uma ironia mordaz bem marcada pela voz do ator Selton Mello. O aparelho triturante pertence a Elvira, vivida pela atriz Ana Lúcia Torre. Ela faz sua primeira protagonista no cinema, uma dona de casa que vai à polícia dar queixa do desaparecimento do marido, Onofre, vivido por Ger­­mano Haiut.

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As reflexões filosóficas do liquidificador giram em torno do restrito horizonte a que tem acesso após ganhar consciência e capacidade de se comunicar em uma misteriosa troca de peças na assistência técnica. Com uma nova hélice, apelidada de "escorpião" por sua capacidade de ferir, ele se torna uma espécie de cúmplice de Elvira em sua vidinha de tons esmaecidos na periferia de São Paulo.

O silêncio da casa só é interrompido pela animação da sapeca Milena, personagem da curitibana Fabíula Nascimento, que bate à porta da vizinha mais velha para filar guloseimas e falar de suas fantasias extraconjugais com homens peludos e narigudos. E, por falar em nariz, a comicidade mais desabrida do filme é causada involuntariamente pelo personagem Fuinha, de Aramis Trindade, um detetive que se comporta como um cão farejador à procura de sangue.

Pode-se comparar a transformação de Elvira à de seu próprio liquidificador – ambos, ao ga­­­nhar consciência da condição de objetos domésticos, tomam medidas drásticas para se afastar desta posição. Mais, não é possível contar sobre o longa-metragem sem estragar a surpresa. A não ser que, em sua evolução, ele lembra, em certa medida, outro pequeno filme que ganhou grande notoriedade: Estômago, do paranaense Marcos Jorge.