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Refugiados sudaneses esperam por comida, água e cuidados médicos no campo de Akobo, no sul do Sudão, em maio do ano passado; região segue instável | Mohamed Nureldin/Reuters
Refugiados sudaneses esperam por comida, água e cuidados médicos no campo de Akobo, no sul do Sudão, em maio do ano passado; região segue instável| Foto: Mohamed Nureldin/Reuters

Dave Eggers transformou a história de Valentino Achak Deng em livro

O Que É Quê - A Autobiografia de Valentino Achak Deng (Companhia das Letras) é uma obra engenhosa porque conta a história da vida de Deng e se baseia em fatos ocorridos enquanto ele escapava do Sudão para a América, deixando para trás a guerra civil que matou sua família.

Apresentada com uma "autobiografia", o relato foi feito por Deng para Eggers, que transformou a história num romance.

Engenhosa, a obra é apenas uma das incursões do autor pelo terreno da não-ficção.

Seu livro mais recente, Zeitoun, conta a história real do desaparecimento de um homem de origem árabe pouco depois do furacão Katrina em Nova Orleans.

Nova York - Um ex-refugiado de 30 anos está construindo um presente extraordinário – a primeira escola ginasial de sua comunidade.

Valentino Achak Deng, de 30 anos, é a figura central do campeão de vendas de 2006 O Que É o Quê, de Dave Eggers, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. O livro registra a vida de Valentino depois que a guerra civil do Sudão atinge sua cidade longínqua, no sul do país.

Seus amigos foram mortos a tiros perto dele. Ele perdeu o contato com a família e se tornou um dos "garotos perdidos" do Sudão. Fugindo de soldados do governo, esquivando-se de minas terrestres, comendo folhas e carcaças de animais, Valentino viu garotos ao seu redor serem levados e devorados por leões.

Em certo momento, Valentino e outros refugiados foram atacados por soldados perto de um rio infestado de crocodilos. Ele nadou em direção à segurança através de águas cheias de sangue, à medida que alguns nadadores eram alvejados e outros atacados por crocodilos.

Valentino aprendeu a ler e escrever em escolas improvisadas em campos de refugiados ao escrever letras com o dedo na poeira. De forma bastante improvável, ele acabou virando um estudante brilhante com uma personalidade animada. Em 2001, os Estados Unidos o aceitaram como refugiado.

Valentino ganhou o direito a descansar pelos próximos 600 anos; em vez disso, ele estabelece um exemplo incrível de resistência, compaixão e caridade. Ele e Eggers canalizam todos os centavos ganhos com o livro para uma nova fundação dedicada à construção de uma escola em sua cidade natal no Sudão.

É isso que me inspira tanto em Valentino. Durante um quarto de século, líderes mundiais fecharam os olhos para os horrores no Sudão – primeiro, a guerra civil entre o Norte e o Sul, que matou 2 milhões de pessoas; depois, o genocídio em Darfur; e agora o risco crescente de outra guerra civil. No vácuo, a liderança moral tem vindo de estudantes universitários e refugiados como Valentino.

Agora, a escola de Valentino está começando a operar na cidade de Marial Bai – uma escola moderna que atende a alunos de milhares de quilômetros quadrados. Ela foi aberta experimentalmente em 2009 com cem alunos, e ele espera aumentar esse número para 450 nos próximos meses – mas isso significa desafios enormes.

"Quero matricular mais de 50% de meninas", disse Valentino. "Mas, para isso, tenho de abrigá-las, pois as famílias não permitem que uma menina vá muito longe para frequentar a escola sem um lugar para ficar".

"Por ora, já matriculei 14 meninas", acrescentou. "Mas elas vão para casa e têm de cuidar dos irmãos, coletar lenha, buscar água. Então, me preocupa o quanto elas realmente podem aprender". Além disso, uma menina do colegial pode alcançar um preço enorme de casamento – cerca de 100 vacas – e Valentino acredita que a melhor forma de evitar o casamento precoce e dar às meninas uma chance de estudar é que elas morem em um dormitório na propriedade do colégio.

Décadas de guerra civil deixaram o sul do Sudão como um dos lugares mais pobres do planeta, onde uma mulher tem mais probabilidade de morrer de parto do que de ser alfabetizada. Nos últimos anos, apenas cerca de 500 garotas se formaram anualmente no ensino básico – de uma população de 8 milhão.

Todos os passos de Valentino têm sido hercúleos. Materiais de construção tiveram de ser transportados de caminhão de Uganda, através de uma selva onde uma milícia brutal pratica os assassinatos, estupros e roubos. Não há energia elétrica nem água encanada em Marial Bai, então os computadores da escola terão de funcionar com energia solar. Quando um microscópio chegou, um dia desses, um professor de ciências ficou maravilhado. Na verdade, ele nunca tinha tocado em um microscópio antes.

A escola tem certo jeito americano. Valentino exige que os alunos participem de atividades de serviço à comunidade, como construir cabanas para desabrigados. "Focamos na liderança", explicou ele.

Oito professores do ensino médio dos Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia viajaram a suas próprias custas para a escola de Valentino, no último verão, a fim de treinar e trabalhar com os alunos. Eles falaram entusiasmadíssimos comigo sobre como os alunos têm ânsia por aprender; alguns alunos caíram em lágrimas quando os voluntários tiveram de ir embora.

"O que ele conseguiu fazer em sua cidade é incrível", disse Eggers. "Um complexo educacional de 14 estruturas construído do zero em apenas um ano. É de enlouquecer".

"Ele teve êxito onde inúmeras ONGs falham, principalmente porque ele conhece o ambiente de negócios local e consegue negociar preços razoáveis pelos materiais", acrescentou.

Valentino ainda está levantando fundos e buscando professores voluntários. Ele precisa de US$ 15 mil para concluir um dormitório para as meninas, e muito mais para cavar poços e operar a escola pelos primeiros três anos. Mas ele não descansa.

"Eu é que tenho sorte", Valentino me contou. "Eu devo ser o cara que faz a diferença".

Serviço

Na internet: www.valentinoachakdeng.org

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