Adriana Calcanhotto encarna vários personagens célebres do samba nas letras das canções de seu novo álbum| Foto: Gilda Midani/Divulgação

Adriana Calcanhotto é uma artista de mil faces. Há bem pouco tempo estava toda Partimpim, mergulhada no universo lúdico de um espetáculo pensado para crianças, mas que também acabava por cativar adultos. Eis que agora a inquieta cantora gaúcha ressurge em outro projeto, também qualificado por ela como "paralelo": o disco O Micróbio do Samba.

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A ideia de dedicar um trabalho inteiro a canções que de alguma forma dialoguem com o samba não foi de caso pensado. Em entrevista concedida por telefone à reportagem da Gazeta do Povo, Adriana disse que foi compondo as músicas, pouco a pouco, e meio ao acaso, quando se deu conta de que havia reunido em um file (arquivo digital) um número substancial de composições que tinham em comum a proximidade com o gênero musical brasileiro de grandes nomes como os de Ismael Silva, Noel Rosa e Cartola.

"Mas não acho que esse disco aponte para o futuro do meu trabalho como compositora e cantora. Na verdade, acho que tudo o que faço e ouço é entendido por mim, de alguma forma, como samba, que está na raiz, no DNA da minha música. Daí o título do disco. É um projeto genético", explica a cantora, que assina todas as faixas de O Micróbio do Samba, à exceção de "Vem Ver", criada em parceria com Dadi.

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Na ficha técnica do álbum, produzido por Daniel Carvalho, ficamos sabendo que, além de cantar, Adriana se desdobra: toca violão, piano, guitarra, caixa de fósforos, cuíca e até bandeja de chá, transformada em instrumento. Ela explica essa onipresença, contando que todas as músicas foram arranjadas sem muita ordem em torno de seu violão, sempre acompanhada por Alberto Continentino (contrabaixo) e Domenico Lancelotti (bateria e percussão). Essa intimidade se traduz nas sonoridades orgânicas em um álbum sem pirotecnias superproduzidas e com o frescor de projeto feito em casa. "Nem conversamos quando estamos trabalhando nas músicas, gravando. A gente toca. Falamos a língua da música."

Há ilustres convidados, que emprestam seus talentos de instrumentistas e improvisadores a algumas faixas, como Davi Moraes (violão, viola morna e cavaquinho), o hermano Rodrigo Amarante (guitarra), Moreno Veloso (prato e faca) e Nando Duarte (violão). Mas sempre dentro dessa proposta caseira e intimista.

Personagens

Todas as músicas do disco podem ser sambas, ou algo próximo disso, segundo definição da própria artista, e têm em comum o fato de serem invariavelmente agridoces. Adriana faz, na melhor tradição do gênero e de seus mestres, alegria rimar com melancolia. Prazer com dor.

Chama também a atenção nas músicas a habilidade da letrista de, por meio de seus versos por vezes pontiagudos e afiados, e por outras de um romantismo triste, possibilitar à cantora a brincadeira de ser outras pessoas, de encarnar personagens.

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Em uma das melhores faixas do disco, "Mais Perfumado", dedicàda à cantora curitibana Thaís Gulin, Adriana assume um papel que pouco tem a ver com sua imagem: o da mulher de malandro. Os versos dizem: "Quando reclama do meu vestido/ Quando se zanga porque trabalho/ Quando se mostra muito amoroso/ Quando aparece não atrasado/ Sai para o jogo com ar destraído/ e volta para casa mais perfumado/ ele acredita que me engano/ pensa mentir o homem que eu amo".

A compositora, que jura não ter a menor intenção de se dedicar à escritura ficcional ("Perdi a embocadura para a prosa"), disse ter buscado outras vozes, de personagens comuns ao universo do samba mais ancestral, como a mulher enganada citada acima, ou o malandro embriagado de amor em "Vem Ver": "Por você largava tudo, arranjava o que fazer/ Até voltaria dedo, eu deixava de beber/ vem cá, vem ver, vem ver".

Os fãs de Adriana Calcanhotto, no entanto, vão ter de se conformar com apenas ouvir O Micróbio do Samba, que não vai ser transformado em show tão cedo. Pena, mas vão ter um consolo: é um superdisco. GGGG

Serviço:

O Micróbio do Samba, de Adriana Calcanhotto. Sony Music. Preço médio: R$ 29,90.

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