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Mauri König: vencedor do Prêmio Esso pela reportagem “Devorados pela miséria” | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Mauri König: vencedor do Prêmio Esso pela reportagem “Devorados pela miséria”| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Reportagem do lado de dentro

Marleth Silva

Por trás de uma reportagem interessante, certamente há um processo de apuração igualmente curioso, uma história que merece ser contada. No caso das reportagens que Mauri König reuniu em Narrativas de um Correspondente de Rua, o relato da experiência da apuração, além de ser interessante, ajuda o leitor a se aprofundar na compreensão da realidade dos personagens. Nem tudo que o repórter viu cabe na página de jornal. Tampouco toda a reflexão que fez enquanto viajava pelo Brasil ouvindo adolescentes e meninos, idosos e moradores do interior do Paraná.

Narrativas de um Corres­pon­dente de Rua está estruturado de forma a permitir uma leitura fluida, que passa de um fôlego só da reportagem propriamente dita ao relato dos preparativos que a antecederam e do processo de apuração. O relato é pessoal, incluindo as dúvidas e os sentimentos do jornalista, seus conflitos éticos e dificuldades práticas. Mas ao mesmo tempo Mauri consegue ser transparente o suficiente para que o leitor "encarne" nele e tenha a sensação de estar vendo de perto esse Brasil e esses brasileiros que ele escolheu como seus personagens.

Particularmente tocante é a série de reportagens "Infância no Limite" em que o repórter viaja pelas fronteiras brasileiras tentando entender porque tantas crianças brasileiras são empurradas para o comércio do sexo. As meninas são retratadas de forma sóbria e suas histórias vão sendo construídas junto com a descrição do ambiente em que nasceram e cresceram. Ao final, o leitor tem condições de concluir se havia outra saída para elas ou se haverá um dia.

A primeira reportagem da antologia Narrativas de um Corres­pondente de Rua foi um momento-chave na carreira do jornalista Mauri König. Em 2000, a descoberta de brasileiros menores de idade recrutados pelo exército paraguaio rendeu uma surra que ele jamais esqueceu. "Eu era um bocó", diz, se referindo a todos os riscos que correu durante esse trabalho. As viagens solitárias através da fronteira poderiam ter acabado bem pior. "Se me matassem, eu seria só mais uma ossada no rio Paraná."

O fato é que o "Dossiê Paraguai" confirmou que o repórter especial da Gazeta do Povo tem um radar para questões ligadas a direitos humanos, tema que orienta uma das carreiras mais premiadas do país. Depois de vencer o Esso e o Vladimir Herzog, entre outras láureas, König é finalista do 51º Prê­­mio Jabuti na categoria Repor­­ta­gem com as Narrativas de um Cor­respondente de Rua. O resultado com os três vencedores será divulgado no dia 29 de setembro.

No livro, ele reúne 14 reportagens – 13 publicadas pela Ga­­zeta – e as intercala com textos sobre o processo de realização, um misto de making of com in­­formações de bastidores.

"Eu sou uma caixa de ressonância de vários outros jornalista do Brasil e de fora", diz König. "O que eu faço, já foi feito antes." Isso pode ser verdade, mas não significa que é fácil o que ele faz.

Entre os dez finalistas, além de König, estão Eliane Brum (Olho da Rua), Vanessa Bárbara (O Livro Amarelo do Terminal), Pau­­la Fontenelle (Suicídio) e Zuenir Ventura (1968 – O Que Fizemos de Nós).

Uma das qualidades das Narrativas... é, exatamente, a proposta do autor de mostrar as engrenagens da reportagem. Fica-se sabendo que "Devorados pela Miséria", a vencedora do Prêmio Esso, ganhou o título a partir de um comentário feito fotógrafo Albari Rosa.

Sobre a abordagem, o jornalista lamenta que a miséria se transformou em "anti-notícia" por estar banalizada no país – existem 50 milhões de pessoas em situação semelhante à da família encontrada por ele em Man­guei­rinha, no sul do Paraná. "Tentaria como recurso uma espécie de jornalismo em espiral, partindo de um ponto para universalizar o assunto", escreveu.

Publicado pela Editora do Instituto Cultural de Jornalistas do Paraná, o livro virou sensação nos cursos de Jornalismo do estado e, hoje, está esgotado nas livrarias em que era vendido. Com o Jabuti, König promete tentar reabastecer as prateleiras.

Ao contrário da máxima se­­gundo a qual o lugar de repórter é na rua, König diz que um jornalista não é feito só de disposição para caminhar. Também é preciso ler. "É um rodízio entre rua e biblioteca", afirma. Sem bagagem cultural, na opinião do jornalista, é difícil até identificar o que pode virar notícia.

O paranaense de Pato Branco, a exemplo do nova-iorquino Gay Talese, autor de Fama e Anonimato e uma de suas muitas referências, também vê o jornalismo como a melhor profissão do mundo. "É um serviço de qualidade imensurável para a sociedade. O último recurso para se resolver alguns problemas", diz.

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