Os segredos da felicidade
O que é felicidade? Como encontrá-la se nem sabemos o que exatamente ela é? Para facilitar as coisas, um expoente da Psicologia Positiva, o norte-americano Ed Diener, criou uma definição que pode ser traduzida num esquema bastante didático: "Felicidade é a predominância dos afetos positivos sobre os afetos negativos ao longo do tempo".
Amor, estranho amor
Existe em nós uma luta constante do consciente com o inconsciente, um conflito entre a vontade de realizar nossos desejos e as regras sociais que cerceiam nossas pulsões. Essa ambivalência surge do antagonismo entre o amor e o ódio, motores fundamentais do mundo e fio condutor que nos guia vida afora.
E se a tristeza virasse arte?
A alegria e a tristeza, dois dos nossos sentimentos mais evidentes, não são prerrogativas humanas. São inerentes à vida animal, racional ou não. As girafas, por exemplo, sofrem a tristeza do luto em longo velório ao redor dos restos mortais de seus pares. O cachorro expressa alegria com a cauda a abanar ou chora a dor com ela entre as pernas. Cada animal manifesta a tristeza à sua maneira. Alguns choram, outros a convertem em arte. Quem melhor que o artista para conferir-lhe alguma beleza?
Angústia, o edifício da identidade
Fim de tarde em Oslo, Noruega. Edvard Munch passeia com dois amigos ao pôr-do-sol. Súbito, o céu fica vermelho-sangue. Ele reclina-se ofegante na mureta da ponte. Há sangue e línguas de fogo sobre a cidade inteira. Os amigos seguem, ele fica. Mais tarde, Munch dá cores expressionistas àquele momento de angústia.
Existir é sofrer
Por que precisamos sofrer? A vida não seria melhor sem dor? Ainda que saibamos a resposta, parecemos nunca estarmos convencidos de que o sofrimento é inerente à condição humana, como advertiu Friedrich Nietzsche (1844-1900). O tema é dos mais discutidos desde os primeiros pensadores, não sem controvérsias, deixando claro que o homem nunca soube lidar com esse sentimento.
Aristóteles (384-322 a.C.) define paixão (páthos) como o que move o homem para a ação (práxis). Por paixões, ele entende os apetites, o medo, o ódio, o desejo, a cólera, a audácia, a inveja, a alegria, a amizade, a emulação, a compaixão e os sentimentos acompanhados de prazer ou de dor. Portanto, são as paixões que guiam nosso modo de agir, são o norte de nossa moralidade, vícios e virtudes. O Dicionário Aurélio define paixão, do latim passione, como sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão.
Segundo René Descartes (1596-1650), a compreensão da natureza das paixões exige uma análise fisiológica, pois sua causa e fortalecimento estão na oscilação do organismo. Pioneiro do pensamento moderno, ele sustentou suas teses racionalistas nas descobertas científicas da época e não no dogmatismo e no empirismo da velha escola medieval, arbitrária e infundada. Descartes elaborou uma descrição fisiológica do funcionamento do corpo com o intuito de mostrar como as paixões são produzidas pelos "espíritos animais" e como a alma pode influir no controle do corpo sem confundir-se com ele.
Na lógica cartesiana, as paixões, no sentido restrito de emoções, surgem na alma quando o corpo nela atua. Portanto, o que na alma é uma paixão, no corpo é uma ação. Porém, o neurocientista contemporâneo António Damásio aponta um equívoco no célebre aforismo cartesiano "penso, logo existo". Para Damásio, essa sentença encerra um erro porque a ausência de emoção pode destruir a racionalidade. O erro de Descartes estaria, portanto, na crença de que o corpo está separado da mente.
Professor da Universidade do Sul da Califórnia, Damásio pensa justamente o oposto, que corpo e mente estão conectados. Ao admitir que a mente comanda o corpo, mas que são as sensações por ele enviadas que a induzem a funcionar, Damásio questiona o dualismo no qual a alma (razão pura) independe do corpo e das emoções. Não é pouco a que ele se propõe ao por em xeque dois dos mais arraigados dualismos tradicionais do pensamento ocidental: mente e corpo, razão e emoção. Seja pelo postulado de Descartes, seja pela tese de Damásio, está claro que a natureza nos ensina por meio dos nossos sentimentos.
A psicologia criou o conceito de inteligência emocional para descrever a capacidade de reconhecer e de lidar com nossos sentimentos e os dos outros. Em 1995, o psicólogo Daniel Goleman publicou em livro uma tese científica sobre o poder destruidor da incapacidade de lidar com as emoções. Pela teoria dele, temos uma mente racional que atua no nível da consciência, é capaz de compreender, ponderar e refletir, e uma mente emocional, um sistema de conhecimento impulsivo. Ambas operam em harmonia na maior parte do tempo, dando-nos a melhor orientação sobre como agir. Pelo menos até as paixões se imporem.
Antes mesmo de nos darmos conta, as emoções já se apossaram de nós. Sob o comando da mente emocional, nossas ações são determinadas pelas emoções, que têm uma razão e uma lógica peculiares. Mais ágil do que a racional, ela leva à ação sem conceder tempo ao racionalismo. Só mais tarde surgirá a percepção da mente racional e o questionamento sobre o motivo da ação. Intérprete das expressões faciais, o psicólogo Paul Ekman, citado por Goleman, enaltece a efemeridade do auge das emoções. Se perdurassem, os sentimentos por elas gerados seriam maus conselheiros, poderiam não resultar em boas ações.
Mas nem toda reação emocional é tão rápida. Há um tipo que vai ganhando corpo até se configurar como sentimento. Nessas circunstâncias, há a consciência do raciocínio que rebenta a emoção, ao contrário da resposta rápida que nos pega de surpresa quando o sentimento precede ou é simultâneo ao pensamento. Nesse caso mais lento, um processo cognitivo antecipa a reação e temos uma resposta emocional adequada à situação. A mente emocional reage também de acordo com o que já aprendeu. Reagimos com medo frente a algo que já nos deu medo, com prazer ao que já nos foi prazeroso, com ódio ao que nos parece odioso.
Eis, uma vez mais, o valor intrínseco de cada uma de nossas paixões, embora insistamos em digladiar com elas, mais por não tolerá-las do que por compreendê-las. A ignorância acerca do que sentimos torna-nos impacientes em relação à amplitude natural dos nossos próprios sentimentos. Eles são nosso guia, ainda que nem sempre os decifremos. São eles que nos dizem se o que estamos experimentando é ameaçador, doloroso, lamentável, triste ou alegre. "Os sentimentos são a reação mais direta à nossa percepção", resume o psiquiatra David Viscott (1938-1996). São eles que nos forjam o que somos, porque nos fazem amar, odiar, rir, invejar, temer, sofrer.
Os sentimentos são o que de mais natural e espontâneo existe em nós, embora tentemos racionalizá-los. São nossa reação ao que percebemos e, por consequência, definem nossa percepção de mundo. Pelas nossas percepções e sentimentos, criamos o mundo à nossa maneira. Quem se sente injustiçado provavelmente achará o mundo injusto, quem se sente feliz pode vê-lo como um lugar pleno de felicidade, quem está com ódio pode interpretá-lo como um lugar de conflito. A realidade não pode ser compreendida sem levarmos em conta os sentimentos, adverte Viscott.
As abstrações do intelecto e do raciocínio são importantes, mas dão passagem para atos inumanos e destrutivos ao distanciarem-se das paixões. "Quando perdemos contato com nossos sentimentos, perdemos contato com nossas qualidades mais humanas", diz Viscott. Nada mais lógico, pois são eles que nos distinguem dos demais seres vivos. Segundo ele, os sentimentos podem ser disfarçados, negados, racionalizados, mas um sentimento doloroso não se retirará enquanto não tiver percorrido sua trajetória natural. Quando evitado, os efeitos dolorosos são prolongados e torna-se cada vez mais difícil lidar com ele. A melhor maneira de dissipar a dor é se permitir experimentar seus estágios naturais.
Não há como nem por onde fugir daquilo que nos é intrínseco. "O poder da afetividade, isto é, do conjunto de nossos sentimentos e emoções, está presente em toda parte, e muitas vezes faz com que tomemos grandes e inesperadas atitudes", observa o psiquiatra e psicoterapeuta Eduardo Ferreira-Santos. "Não há, pois, como negar que a afetividade penetra em todos os aspectos da atividade humana, influenciando decisivamente a percepção, a memória, o pensamento, a vontade e, principalmente, as ações que executamos, como última escala na gama de encadeamentos de funções psíquicas."
Em síntese, há dois grupos de sentimentos: os positivos e os negativos. Os positivos são alegres, ampliam nosso senso de segurança e de bem-estar, produz prazer, sensação de inteireza, vida, plenitude, esperança. A expressão desses sentimentos muitas vezes são encontrados em trabalhos criativos, como uma obra de arte, uma ideia, um trabalho inovador, mas também podem se manifestar num ato de amor ou de bondade. Há neles uma sensação de renovação. Já os negativos têm o impacto da perda, como a percepção das nossas pequenas mortes diárias. Eles interferem no prazer, consomem energia e nos deixam com uma sensação de vazio e solidão.
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