• Carregando...

Clint Eastwood é o último grande diretor do cinema clássico hollywoodiano. Ao contrário de nomes como Quentin Tarantino (Pulp Fiction – Tempo de Violência) e Paul Thomas Anderson (Magnólia), ele não pretende reinventar paradigmas da narrativa, embotar suas obras com referências à cultura pop contemporânea ou fundar uma nova escola de cineastas. Apesar de não ser meramente nostálgico, os filmes de Eastwood trazem ecos de grandes mestres com quem ele não teve a oportunidade de trabalhar, como John Ford (de No Tempo das Diligências) ou Howard Hawks (Rio Bravo). O drama Menina de Ouro, que agora chega às locadoras brasileiras com o pedigree de nada menos do que cinco Oscars, entre eles os de melhor filme, direção e atriz (Hilary Swank), é exemplar nesse aspecto.

À primeira vista, e em um julgamento mais apressado, o longa pode ser lido apenas como um superestimado filme sobre boxe. Ou uma releitura de obras do gênero que abundavam na década de 30, quando o mais nobre dos esportes tornou-se uma espécie de metáfora ritualizada da resistência do indivíduo às agruras impostas pela Grande Depressão. Essas não são considerações equivocadas, mas certamente esbarram na leviandade das análises precipitadas e mal fundamentadas.

Embora o filme tenha suas raízes fincadas em um dos gêneros consagrados da cinematografia dos EUA – de Conflitos de Duas Almas (1939) a Rocky, um Lutador (1976) –, Menina de Ouro é um estudo ao mesmo tempo intimista e avassalador sobre o fracasso. Apenas essa escolha poderia ter condenado o mais recente longa-metragem de Eastwood ao desastre completo em um país como os Estados Unidos, onde o êxito, a superação e a redenção são experiências consideradas quase sagradas. Mas não foi o que aconteceu, ironicamente.

O enredo de Menina de Ouro se sustenta sobre um trio de personagens, todos sem qualquer traço visível de heroísmo. A história é narrada por Eddie Dupris (Morgan Freeman, Oscar de melhor ator coadjuvante), um ex-boxeador cego de um olho e de meias furadas, que trabalha e vive no ginásio decadente do treinador Frankie Dunn, também um perdedor. Rompido com a única filha há anos, tenta iludir a própria solidão lendo poemas de Yeats, tomando aulas de gaélico (idioma dos irlandeses) e incomodando o padre de sua paróquia com questões sobre a existência humana.

A rotina da velha dupla é quebrada quando entra em cena Maggie Fitzgerald (Hilary Swank, já "oscarizada" por Meninos Não Choram), uma garçonete aspirante a lutadora, já na faixa dos 30 anos, que se julga capaz de se tornar campeã, caso seja treinada por alguém com o gabarito de Dunn, que a rejeita por jamais haver trabalhado com uma mulher.

Depois de muita insistência, Maggie acaba convencendo Dunn, que consegue transformá-la numa boxeadora competitiva e capaz de conquistar títulos. Mas Menina de Ouro não pretende ser uma versão feminina de Rocky, um Lutador. Pelo contrário. O filme coloca em xeque o chamado sonho americano, rejeitando a tentação de ser uma obra sobre o triunfo da vontade e a vitória do fraco e do oprimido diante das adversidades.

Em um momento histórico em que a América de Bush tem levado golpes sucessivos, expondo via satélite todas as suas fragilidades, Eastwood se utiliza de uma pequena jóia dramática, no qual discute conceitos de família, amizade e lealdade, para desferir um murro certeiro contra os mitos que sustentam a sociedade da qual é um dos maiores e mais perenes ídolos. Nunca esteve tão bem como ator, faz de seu aparentemente despretensioso projeto uma pequena obra-prima do cinema contemporâneo e, de quebra, estimula os norte-americanos a pensar que, talvez, amanhã não seja um dia melhor. GGGGG

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]