"Tô amando a cidade de vocês, Curitiba é linda", disse ao público o ator José Neto Barbosa, ainda banhado em suor, ao final da peça Borderline. A estrela do monólogo que retrata o transtorno de personalidade limítrofe tem 22 anos e é de Natal, Rio Grande do Norte. Com sua equipe, enfrentou bons percalços para se apresentar na mostra Fringe, do Festival de Curitiba.
Neto, como gosta de ser chamado, tirou dinheiro do próprio bolso para participar do evento. "Peguei um cachê que tinha acabado de receber, bati na porta de uma agência de viagens e disse: isto é tudo o que eu tenho, preciso do patrocínio de vocês." Deu certo. O ator conseguiu passagens de avião para quatro dos sete integrantes da equipe. Os trechos foram comprados por meio de um programa de milhas e o grupo teve de viajar separado, em horários alternativos. Não trouxeram o cenário completo para não pagar muito excesso de bagagem. Ainda assim, embarcaram com 45 quilos de material. No joga-joga das malas, a companhia aérea quebrou espelhos e lâmpadas do cenário. "Tivemos de repor os materiais e pagar lavanderia, porque os figurinos ficaram cheios de pó de vidro", conta Neto.
O jeito foi pedir empréstimos a familiares para custear o restante das despesas. O pai de Neto bancou alimentação e táxi, e o padrasto, motociclista bem-relacionado, arranjou hospedagem para o grupo num motoclube frequentado por pilotos de Harley-Davidson. "Estamos dormindo num quartinho com banheiro, nos fundos. Tem só uma cama de casal, então decidimos por ordem de hierarquia: o ator e a assistente de direção na cama e os operadores no chão", diz o ator. O motoclube conta com um bar que tem até pole dance, mas o glamour fica por aí. "O ralo do chuveiro entope e alaga tudo", conta Badú Morais, 24 anos, assistente de direção do espetáculo.
O friozinho de Curitiba não desagradou os potiguares. "A gente está amando o clima. Parece que tem ar condicionado em tudo que é canto", comemora o ator. A única desvantagem é a umidade. "Já usei todas as roupas e não tem como lavá-las, nada seca nessa cidade", reclama Morais, entre risadas.
Outros perrengues
A pindaíba financeira não aflige todos os grupos que vêm de fora. Para a Delirivm Teatro de Dança, da pequena São Simão, no interior de São Paulo, as dificuldades são outras. O elenco do espetáculo E Toda Vez Que Ele Passa Vai Levando Qualquer Coisa Minha... é formado por idosos de 59 a 81 anos. A equipe viajou 15 horas de van até Curitiba, já que os 100 quilos de cenário impossibilitaram uma viagem aérea. A idade avançada dos atores exige que o grupo sempre chegue um dia antes da primeira apresentação, para ter tempo de descansar. É a sexta vez que participam do festival.
Apesar do trajeto cansativo, o elenco não demonstra desânimo. "Nós brincamos dentro da perua a viagem inteira, é uma diversão", conta Cátia Buono, 64 anos. "E se o pé incha, a gente nem sente", completa Olívia Lopes, 75. Dulce Valle, de 63, diz que nem poderia ter vindo: "Acabei de operar a tireoide!". Já Francisco Moreira obedeceu as recomendações médicas. O ator ficou em São Simão para passar por uma cirurgia nos olhos.
A Cia. Revelação de Teatro saiu de Campo Novo do Parecis, oeste do Mato Grosso, para trazer a cultura local ao festival. A cidade tem forte presença dos índios paresi. O Beijo da Lua e da Vitória-régia, espetáculo apresentado na Fringe, é baseado numa lenda indígena e foi escrito pelo mato-grossense Wanderson Lana. A equipe de 15 pessoas viajou 385 quilômetros de ônibus até Cuiabá, de onde voaram para Curitiba.
Ao contrário do grupo de São Simão, o elenco é bem jovem. Michel Augusto, o mais novo, tem 14 anos. Raíssa Del Barco e Cleiton Almeida, os mais velhos, têm 20. É a segunda vez que a companhia participa do festival. No ano passado, vieram de ônibus e puderam esticar a viagem até Praia de Leste, no litoral paranaense, para ver o mar pela primeira vez.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Deixe sua opinião