| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

"Tô amando a cidade de vocês, Curitiba é linda", disse ao público o ator José Neto Barbosa, ainda banhado em suor, ao final da peça Borderline. A estrela do monólogo que retrata o transtorno de personalidade limítrofe tem 22 anos e é de Natal, Rio Grande do Norte. Com sua equipe, enfrentou bons percalços para se apresentar na mostra Fringe, do Festival de Curitiba.

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Neto, como gosta de ser chamado, tirou dinheiro do próprio bolso para participar do evento. "Peguei um cachê que tinha acabado de receber, bati na porta de uma agência de viagens e disse: isto é tudo o que eu tenho, preciso do patrocínio de vocês." Deu certo. O ator conseguiu passagens de avião para quatro dos sete integrantes da equipe. Os trechos foram comprados por meio de um programa de milhas e o grupo teve de viajar separado, em horários alternativos. Não trouxeram o cenário completo para não pagar muito excesso de bagagem. Ainda assim, embarcaram com 45 quilos de material. No joga-joga das malas, a companhia aérea quebrou espelhos e lâmpadas do cenário. "Tivemos de repor os materiais e pagar lavanderia, porque os figurinos ficaram cheios de pó de vidro", conta Neto.

O jeito foi pedir empréstimos a familiares para custear o restante das despesas. O pai de Neto bancou alimentação e táxi, e o padrasto, motociclista bem-relacionado, arranjou hospedagem para o grupo num motoclube frequentado por pilotos de Harley-Davidson. "Estamos dormindo num quartinho com banheiro, nos fundos. Tem só uma cama de casal, então decidimos por ordem de hierarquia: o ator e a assistente de direção na cama e os operadores no chão", diz o ator. O motoclube conta com um bar que tem até pole dance, mas o glamour fica por aí. "O ralo do chuveiro entope e alaga tudo", conta Badú Morais, 24 anos, assistente de direção do espetáculo.

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O friozinho de Curitiba não desagradou os potiguares. "A gente está amando o clima. Parece que tem ar condicionado em tudo que é canto", comemora o ator. A única desvantagem é a umidade. "Já usei todas as roupas e não tem como lavá-las, nada seca nessa cidade", reclama Morais, entre risadas.

Outros perrengues

A pindaíba financeira não aflige todos os grupos que vêm de fora. Para a Delirivm Teatro de Dança, da pequena São Simão, no interior de São Paulo, as dificuldades são outras. O elenco do espetáculo E Toda Vez Que Ele Passa Vai Levando Qualquer Coisa Minha... é formado por idosos de 59 a 81 anos. A equipe viajou 15 horas de van até Curitiba, já que os 100 quilos de cenário impossibilitaram uma viagem aérea. A idade avançada dos atores exige que o grupo sempre chegue um dia antes da primeira apresentação, para ter tempo de descansar. É a sexta vez que participam do festival.

Apesar do trajeto cansativo, o elenco não demonstra desânimo. "Nós brincamos dentro da perua a viagem inteira, é uma diversão", conta Cátia Buono, 64 anos. "E se o pé incha, a gente nem sente", completa Olívia Lopes, 75. Dulce Valle, de 63, diz que nem poderia ter vindo: "Acabei de operar a tireoide!". Já Francisco Moreira obedeceu as recomendações médicas. O ator ficou em São Simão para passar por uma cirurgia nos olhos.

A Cia. Revelação de Teatro saiu de Campo Novo do Parecis, oeste do Mato Grosso, para trazer a cultura local ao festival. A cidade tem forte presença dos índios paresi. O Beijo da Lua e da Vitória-régia, espetáculo apresentado na Fringe, é baseado numa lenda indígena e foi escrito pelo mato-grossense Wanderson Lana. A equipe de 15 pessoas viajou 385 quilômetros de ônibus até Cuiabá, de onde voaram para Curitiba.

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Ao contrário do grupo de São Simão, o elenco é bem jovem. Michel Augusto, o mais novo, tem 14 anos. Raíssa Del Barco e Cleiton Almeida, os mais velhos, têm 20. É a segunda vez que a companhia participa do festival. No ano passado, vieram de ônibus e puderam esticar a viagem até Praia de Leste, no litoral paranaense, para ver o mar pela primeira vez.