"Eilis Lacey, sentada junto à janela da sala no primeiro andar, na casa da rua Friary, avistou sua irmã andando ligeiro, de volta para o trabalho. Observou Rose atravessar a rua e passar do sol para a sombra, levando na mão a bolsa de couro nova que havia comprado na loja Clerys, em Dublin, numa liquidação. Rose tinha um cardigã creme sobre os ombros. Os tacos de golfe dela estavam na entrada; em poucos minutos, Eilis sabia, alguém viria buscar sua irmã e ela só voltaria depois que o dia de verão tivesse escurecido."
O primeiro parágrafo de Brooklyn, do escritor e crítico literário irlandês Colm Tóibín, poderia muito bem ter sido escrito por Henry James (1843 1916) em algum de seus livros. A narrativa, especialmente descritiva e delicada, a leveza nos tons e a temática urbana, traços típicos do autor nova-iorquino, acompanham o romance de Tóibín do começo ao fim.
A verdade é que Tóibín tem uma certa fixação por James. Além de se inspirar livremente em seu estilo, é autor do livro sugestivamente intitulado O Mestre, um relato ficcional sobre a vida do escritor estadunidense. O romance demandou uma pesquisa documental profunda em biografias e cartas trocadas entre James, seus amigos e seu irmão William, além, é claro, de leituras minuciosas de suas principais obras.
Entretanto, Colm Tóibín não é um Henry James cover. O escritor está interessado principalmente em se apropriar do universo de James e imprimí-lo em sua própria temática, uma inspiração que ocorre naturalmente com qualquer artista que já teve algum ídolo. Tóibín usa as cores do autor de Os Embaixadores para voltar a uma temática frequente em sua obra: a vida dos irlandeses fora da Irlanda.
A história gira em torno de Eilis, uma garota que mora com a mãe e a irmã Rose na vila de Enniscorthy, do condado de Wexford, terra-natal do autor. A partir de um contato com um padre amigo de Rose, Eilis arranja um emprego no Brooklyn, bairro que vivia seu auge populacional no início da década de 50, época da trama. Não tanto um choque cultural ou uma aventura emocionante, a experiência de Eilis em terras estrangeiras é, antes de tudo, uma rotina melancólica em que ela é empurrada para os acontecimentos de sua vida pela força de outras ações.
Sua ingenuidade e altruísmo, dignos de um bom selvagem moderno, acabam por criar uma bola de neve de pequenos problemas morais, quando, por exemplo, a jovem precisa voltar ao país de origem e ficar longe de Tony, um italiano por quem se apaixona. Os dramas são tão sutis que, caso fosse narrado de outra forma, não se perceberia a tristeza da vida da protagonista de maneira tão intensa. Tóibín não qualifica nada por sua própria voz na história: deixa que tudo seja expresso de acordo com pensamentos e hesitações de Eilis. O que não obstrui o caminho para as conclusões do próprio leitor a percepção do ambiente sufocante e passivo-agressivo em que a jovem irlandesa vive é fruto das descrições que trabalham a própria parcialidade apenas na escolha do que será descrito. O olhar é direcionado; as ideias, não.
Apenas o começo da trama parece um tanto monótono, mas basta perceber que Brooklyn não é um recorte de momentos, mas um fluxo contínuo de acontecimentos que servem ao único propósito de construir seu final. Tóibín não promete um nível constante de emoções, apenas uma história singela e delicada que pode comover, se o leitor estiver disposto a conhecer a saga de uma inocente garota irlandesa. GGGG
Serviço
Brooklyn, de Colm Tóibin. Companhia das Letras, 302 págs., R$ 49,50.
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