Nos últimos anos, durante coletivas alternadas nos festivais de Veneza e Cannes, um dos realizadores mais celebrados da história do cinema adotou sempre a mesma postura. Cabeça baixa entre as mãos, aparentemente recolhido em si mesmo, perdido em pensamentos, certo ar ausente. No mês passado, quando abriu oficialmente o 64.º Festival de Cannes, Woody Allen foi para a entrevista coletiva e repetiu o comportamento. Respondeu às perguntas sem encarar a plateia de jornalistas, certamente também aturdido pelos spots. Cansaço? Ansiedade? Certa surdez ? Impaciência? Pode ser. Afinal, são 75 anos de idade, 40 de carreira e 42 filmes, média que raros diretores podem ostentar. No entanto, dias depois da estreia mundial de Meia-Noite em Paris (confira trailer, fotos e horários das sessões; atenção à data de validade da programação em cinza), durante entrevista concedida no ensolarado terraço do Hotel Martinez, no coração da Croisette, em Cannes, ele era outro homem. Descansado, bem disposto, eloquente e alegre, certamente por conta da longa ovação que recebeu após a projeção no Grand Theatre Lumière na gala de abertura. E também pela acolhida da mídia no mínimo simpática ao seu filme. Quando a meia hora prevista de conversa terminou, o encontro ainda durou outros afáveis dez minutos, inesperado e generoso bônus.
Nenhuma duvida: Paris exerce estranho fascínio sobre este cineasta, que nos últimos seis anos se tornou itinerante, fixando seu olhar e irrigando sua imaginação em outras cidades longe de sua base natural, Nova York. Depois da cínica Londres, da apaixonada Barcelona e antes da velha Roma, onde começa a filmar no início de julho, Woody se deixou arrebatar pela Paris romântica. Confira a seguir, alguns trechos da conversa.
O que veio primeiro: um roteiro pensado desde sempre com Paris como personagem ou a definição por filmar em Paris e só então escrever um roteiro adequado a esta ideia?
Alguém sugeriu que eu fizesse um filme em Paris, isto há cerca de cinco anos. Claro, era também uma intenção antiga que eu queria muito materializar desde Todos Dizem Eu Te Amo [1996], porque de fato amo, adoro a cidade. Mas não tinha nenhuma ideia na cabeça. Então, pensei sobre Paris, sobre o que há de tão maravilhoso sobre ela. Quando você pensa sobre isto, pensa em romance. Então me veio o título, Meia-noite em Paris. Ele me pareceu muito romântico, mas não consegui pensar sobre o que aconteceria à meia-noite. Por uns dois meses nada aconteceu. Então um dia imaginei a seguinte situação: meu protagonista andando à deriva. Um carro de outra época para, alguém o convida para entrar e ele embarca numa fascinante aventura.
O personagem de Owen Wilson, de alguma forma, se encontra de volta à Paris dos anos 1920...
Tentei criar a mais romântica história que pude, tudo o que me veio à mente. Se alguém me pedisse para criar um argumento sobre Berlim, certamente seria sobre espionagem. Mas Paris é e sempre será um local romântico, assim eu quis criar uma boa história de amor. Foi ótimo ter Wilson no elenco, que faz um papel que é o meu inverso. Digamos que é meu anti-alter-ego. Sou americano típico da costa leste, muito europeu. Ele é da costa oeste, é o beach boy, bronzeado, que vem da praia. Jamais poderia ter escrito este papel para mim. Mas, de certa forma, quem viaja no tempo sou ele na pele dele. Graças a Wilson, o filme ganhou outra dimensão.
O filme tem um elenco muito eclético como foi a escolha dos atores?
De início só tinha certeza que queria Rachel McAdams, alguém que achava perfeita para o papel que escrevi. Sempre fui fã de Owen Wilson, que via como o surfista ao qual já me referi antes. Enviei o roteiro a ele, que concordou imediatamente. Quando já tinha garantido estes dois, pensei em Marion Cotillard. Aposto que, no momento, ela é a primeira pessoa em quem você pensa na França se quer uma atriz que é grande. Grande no mesmo sentido de Penélope Cruz e Javier Bardem quando pensei em fazer Vicky, Cristina, Barcelona [2008], dois espanhóis internacionalmente conhecidos. Marion não é apenas ótima atriz francesa, mas uma fabulosa atriz do cinema em geral. Ela estava disponível, e o que é melhor, querendo o papel.
E Carla Bruni, aliás primeira-dama, Madame Bruni-Sarkozy, como foi o casting? Parte da imprensa sugeriu que ela não estava à altura...
Certo dia, minha mulher e eu estávamos tomando café da manhã com Nicolas Sarkozy. Ela chegou algum tempo depois, eu a achei bela, com muito carisma. Perguntei se faria um pequeno personagem no meu próximo filme. Imediatamente me respondeu que sim, e por que não?, antes de me confessar que adoraria um dia poder dizer aos filhos que tinha feito um filme comigo. Ela é cantora, conhece o show business, sabe atuar diante de uma câmera. Interpretou com muita graça e matizou na medida certa seu personagem, uma guia do Museu Rodin. Ficamos ambos contentes com o resultado.
Quanto à receptividade ao filme, qual a sua expectativa?
Espero que o público, especialmente o francês, receba o filme com o espírito que eu estava quando o realizei, uma espécie de love affair com Paris. Ninguém ignora minha enorme afeição pela cidade. E os franceses sempre foram aliados fiéis desde minha estreia, há exatos 40 anos, com Um Assaltante Bem Trapalhão [1969]. Agora que afinal tive a chance de fazer um filme rodado inteiramente em Paris, espero estar retribuindo o carinho e a lealdade que recebi aqui nestas décadas.
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