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Praça Rui Barbosa em 1955: Franciosi defende que os alemães e os poloneses foram as duas etnias que mais influenciaram os hábitos da região | Fotos: Arquivo/Gazeta do Povo
Praça Rui Barbosa em 1955: Franciosi defende que os alemães e os poloneses foram as duas etnias que mais influenciaram os hábitos da região| Foto: Fotos: Arquivo/Gazeta do Povo
  • Palácio Avenida na esquina da Rua XV de Novembro com a Avenida Luiz Xavier: narrativa com temas que se entrecruzam

Está na praça o livro póstumo do gaúcho Eddy Franciosi (1930-1990), Uma Crônica – Curitiba e Sua História. Jornalista e homem de teatro, em 50 anos de vivência em Curitiba dissecou a cidade até o osso. Absorveu usos e costumes, observou, conversou, leu, pesquisou, anotou e comparou. As 600 páginas datilografadas andaram em busca de editor logo após sua morte, em 1990. Cheguei a vê-las nas mãos do jornalista Szyja Ber Lorber, que as obteve de Gunilda Dickman.

Sem dúvida, um livro difícil de editar, dada a quantidade e diversidade de temas e subtemas com Curitiba como ponto de partida ou de chegada. Não se trata de fazer história, deixou claro e por escrito o próprio autor. Mas a história apoia cada crônica, algumas são verdadeiros ensaios, com citações que vão desde a Bíblia até as publicações nacionais disponíveis na época da escrita, passando por edições estrangeiras lidas no original.

Quando a crônica se mistura com a história, a cronologia pura e simples é quase impossível. Daí a Curitiba salteada, com temas que se entrecruzam mais de uma vez em diferentes episódios. Também histórias que de alguma forma se repetiram, como o gesto de receber o Papa João Paulo II com pão e sal em 1980, exatos cem anos depois que o colono polonês Francisco Wos recebera, da mesma maneira, o Imperador Pedro II e a Imperatriz Thereza Christina em sua casa.

Poloneses e alemães foram, para o autor, a dupla etnia que mais difundiu hábitos na terra de adoção. Razão pela qual entre eles e o paranaense há mesmo uma certa semelhança de caráter, de postura física e moral. É algo aparentemente imperceptível, que mais se sente do que se vê.

A ocupação do território pelo homem branco teve início com a busca do ouro e a caça aos índios para que trabalhassem as terras dos colonos de São Vicente, Santos e São Paulo que, já em 1585, afirmava não poder se sustentar sem escravaria.

A conquista da independência do Paraná de São Paulo (primeiro Capitania, depois Província) não partiu de Curitiba, mas de Paranaguá, sem dúvida a Vila mais importante em 1811. A Pedro Joaquim de Castro Correia ficamos devendo a origem, a expressão e o estímulo das primeiras manifestações do movimento que havia de triunfar em 1853. Nesses mais de 40 anos até a emancipação houve beneméritos como Manoel Francisco Correia Junior, que empenhou seu tempo e sua fortuna à causa, e oportunistas como João da Silva Machado, que usou o movimento para se apossar de terras e se eleger senador.

Anotados os princípios do território e da sua ocupação humana, Eddy Franciosi parte para a crônica histórica, trazendo Curitiba até o final da década de 1980. Pelo primeiro censo industrial, do final do século 19, na cidade de uns 40 mil habitantes abundavam alfaiatarias, cervejarias e sapatarias. Ou seja: os curitibanos de então vestiam-se e calçavam-se com muito esmero para beber muita cerveja!

As ruas pioneiras com seus nomes óbvios – da Entrada, do Jogo da Bola, da Carioca do Campo, da Marinha etc. – desfilam como cenário da vida cotidiana. A monotonia foi muitas vezes quebrada por episódios como a Guerra do Pente, na Praça Tiradentes, ou, nas sombras, pela presença das primeiras casas de tolerância, na Rua das Flores e na Ratcliff, com sucedâneos e personagens na Riachuelo e na periferia.

Da mesma forma que o autor se debruça sobre a história, ponteia o livro com observações agudas acerca do caráter do curitibano, habitante de uma baixada mais ou menos plana entre as Serras do Mar e de São Luiz do Purunã, para onde convergem ou nascem nada menos de 17 rios. Rios que formam nevoeiros matinais que se estendem ao longo do dia e envolvem a cidade em bruma.

Uma certa bruma que marca o caráter do curitibano, um tímido para Temístocles Linhares. Até a sociabilidade aflorar a ponto de dizer "como vai" ao vizinho, pode demorar anos. Mas a revelação de um encanto de vizinho, capaz até de convidar para um drinque sem indagar a filiação do convidado (sim, porque ele dá muita importância à genealogia)... é só questão de tempo.

As 580 páginas sem ilustrações da obra de Franciosi não são para se ler de um fôlego. O livro é de referência, capaz de apoiar pesquisadores, curiosos, novos cronistas até. Salta aos olhos: o autor, gaúcho, mapeou Curitiba de cor, pelo coração e pela memória.

Serviço

Uma Crônica – Curitiba e Sua História, de Eddy Franciosi. Editora Esplendor, 580 págs., R$ 55. Disponível nas Livrarias Curitiba.

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