Livro
ExclusivaAnnalena McAfee. Tradução de Angela Pessoa e Luiz Araújo. Companhia das Letras, 424 págs., R$ 54.
Uma jornalista à beira dos 80 anos, decana do jornalismo inglês, se esforça para esconder quaisquer indícios de sua vida pessoal antes de receber em seu apartamento uma repórter incumbida de entrevistá-la por ocasião do lançamento de um novo livro de antigas reportagens.
O temor de se revelar por meio dos objetos se fundamenta em sua própria experiência, que inclui os principais conflitos internacionais do século 20. "Era uma técnica antiga: deparar com um objeto aparentemente insignificante e usá-lo para construir uma história psicológica barata sobre seu proprietário."
As primeiras páginas da ficção Exclusiva revelam o próprio privilégio de sua autora, a inglesa Annalena McAfee, ao pisar com apuro no calor do jornalismo.
Com experiência como editora em grandes jornais da Inglaterra, a romancista estreante satiriza o universo das redações no fim da "era de ouro" dos jornais em 1997 momento em que a internet se apresenta como futuro da imprensa em meio a reações de resistência e ceticismo dos repórteres de jornais impressos.
Choque
A transição industrial é palco de outro embate, personificado pelas duas protagonistas. A pioneira correspondente de guerras será entrevistada pela jovem Tamara Sim "repórter freelancer e colunista eventual de um suplemento de celebridades", formada pela cultura do entretenimento e responsável por compilar listas como a das piores celulites ou do "Horror de Pelos no Sovaco das Estrelas".
O choque geracional envolve valores e coloca em questão traços culturais como a exposição da vida privada no espaço público e a espetacularização das notícias.
As diferenças entre as bem construídas personagens são veículo para uma das mais interessantes características do texto de Annalena. A autora é habilidosa na mudança de perspectivas das personagens ao condicionar a narrativa pelas diferentes visões de mundo de Honor e Tamara.
Em guinadas sutis, a narração do ponto de vista da jovem é direta, sua racionalidade é pragmática, ingênua e superficial. Já o mundo de Tait é mediado pela erudição e por uma ironia corrosiva, responsável por algumas das passagens mais divertidas (e cruéis) do livro.
Crítica
O senso crítico implacável da octogenária, enquanto traz densidade ao livro ao narrar sua intensa relação com o envelhecimento, a degeneração física, a solidão e a morte, verbaliza as contradições do jornalismo apresentadas pela sátira.
Suas questões falarão alto para os que conhecem o mundo das redações. Aos leitores alheios a esse universo, o livro faz uma caricatura de suas figuras, sua cultura e sua rotina (o que rendeu a Exclusiva comparações com Furo!, de Evelyn Waugh). Humaniza os responsáveis pelas notícias e, consequentemente, relativiza a narrativa da realidade que constróem seja pela falta de escrúpulos de jornalistas como Tamara e dos tabloides sensacionalistas, seja pela urgência do fluxo de informações.
A fragilidade moral de seus atores, a ética questionável e a falibilidade de seus métodos tudo é apresentado sem intervenções doutrinárias, a não ser pelas lições da própria Honor Tait.
A veterana, no entanto, não resume a complexidade a uma questão de época, já que, ao olhar para a sua própria atuação no passado, questiona suas ações e lembra dilemas emblemáticos da mídia, como a exploração da miséria e do sofrimento e a linha tênue entre a observação e a participação. Não é a verdade que prevalece, mas sua desmistificação. E, surpreendentemente, a trama de Exclusiva a apresenta de forma atraente.
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