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Chay Suede cercado de mulheres: festas de arromba na laje | Divulgação
Chay Suede cercado de mulheres: festas de arromba na laje| Foto: Divulgação
  • A catarinense Bruna Linzmeyer vive Amsterdã, a protagonista da trama
  • O ator Flávio Bauraqui em cena: mundos diferentes se encontram no Vidigal

"Sessenta pessoas trabalhando juntas em uma laje de sessenta metros quadrados". Assim o produtor Homero Camargo resumiu as três semanas de trabalho no engenhoso set do filme A Frente Fria Que a Chuva Traz, montado em uma laje no morro do Vidigal, na zona sul do Rio de Janeiro. Camargo é um dos sócios da produtora paranaense Cooperativa Cinema & Mídias Digitais, que em parceria com a carioca República Pureza acabou de rodar o filme na semana passada depois de 21 dias de trabalho. "Acho que conseguimos fazer o cinema que gostamos: bom texto, bons diálogos, bons atores", avalia Camargo. No elenco do filme estão os atores Chay Suede, Bruna Linzmeyer, Flávio Bauraqui e Michel Melamend, que protagonizam a história de jovens milionários que promovem festas regadas a álcool, drogas e sexo em lajes de comunidades cariocas. O filme, que até agora custou cerca de R$ 1,5 milhão, basicamente tem um único cenário, no alto da favela, responsável por uma das vistas mais espetaculares do Rio de Janeiro. Melamed é um dos coautores do roteiro escrito a quatro mãos com o diretor Neville D’Almeida, que volta à cadeira de diretor depois de quinze anos – seu último filme foi o média-metragem Hoje é Dia de Rock (1999). Neste intervalo, Neville, que também é roteirista, escritor, ator e fotógrafo, se dedicou especialmente às artes plásticas. Neville afirma que encampou o projeto porque ele dialoga com sua trajetória de mais de quarenta anos de cinema e polêmicas. "Faço um filme como se fosse o último, não vou ficar guardando para depois. E como todos os meus filmes, esse também não vai ser um analgésico. O público sabe disso e por isso vai ao cinema. Vai para levar mais um soco no estômago e sair de lá pensando", afirma o diretor.

Bortolotto

Neville, que se notabilizou por ser um dos diretores que melhor adaptou Nelson Rodrigues para as telas, desta vez trabalhou na obra de um dos mais importantes dramaturgos brasileiros contemporâneos, o londrinense Mário Bortolotto. Segundo o produtor Camargo, a reunião dos dois artistas, controversos e radicalmente independentes, resultou em "química imediata". "Só de ter feito este encontro entre os dois já teria valido a pena. São dois grandes artistas movidos a paixão".

Bortolotto também participa como ator em um dos papéis principais, e conta que teve a ideia para a peça – que fez sucesso nos palcos com a companhia Cemitério de Automóveis no fim da década passada – quando leu em um jornal carioca "sobre esse fenômeno da garotada rica ficar alugando lajes para fazer festas".

O dramaturgo explica que o roteiro adaptado incluiu duas cenas que acontecem fora da laje e transpôs uma outra, que era apenas narrada no texto original. "O cenário do filme é bacana e foi muito bem escolhido pela produção. Acho que o Neville e toda a equipe fizeram um trabalho muito bom aproveitando esse cenário principal. Mas eu fui lá fazer o meu trabalho de ator. Foi para isso que eu fui contratado. Procurei fazer da melhor forma possível e de maneira bastante profissional, como eu faço qualquer trabalho. Por mais que a tentação fosse muito grande, procurei não interferir nas decisões da direção e da produção".

Entrevista

"O problema dos roteiros é o improviso dos atores"

Mário Bortolotto, Dramaturgo

A adaptação da sua peça Nossa Vida Não Vale Um Chevrolet não funcionou muito bem no cinema, pois o roteiro não entendeu a pegada do texto original. Como foi a transposição de A Frente Fria...?

Concordo com você. O roteiro do filme Nossa Vida Não Cabe Num Opala é muito ruim e já matou no ninho a adaptação. Mas no caso de A Frente Fria que a Chuva Traz, o roteiro escrito pelo Neville e pelo Melamed procurou, na medida do que eles consideravam possível numa adaptação cinematográfica, ser fiel ao texto original, apenas acrescentando duas cenas que não estão no texto e encenando uma cena que era apenas narrada. E a atriz principal teve uma compreensão totalmente oposta ao que eu imagino da personagem. Não estou dizendo que ela fez mal. Ela optou por fazer a personagem de uma maneira totalmente oposta à minha criação. O caráter e a personalidade da minha Amsterdã é totalmente diferente da que ela criou para servir à interpretação dela. São mudanças que foram feitas com as quais eu particularmente não concordo. Não é possível conseguir total integridade. Eu vendi os direitos, afinal, né?

Você tomou alguma precaução para que o erro não se repetisse?

Para não correr esse risco, eu e qualquer outro roteirista tem que se precaver, colocando cláusulas no contrato que impeçam que isso aconteça. Agora, o problema dos diálogos é que os atores – eu nem falo especificamente dos atores do filme – optam por não decorar mais o texto. Eles já costumam ler improvisando, colocando cacos, o que é uma pena. Perdem a chance de falar um texto que já foi escrito com o propósito de ser encenado. O grande barato seria decorar esse texto e se apropriar dele de tal maneira que o espectador embarque tanto na interpretação e nem se dê conta de que o ator está falando fielmente um texto que foi escrito anteriormente. Você consegue imaginar os diálogos de True Detective ou de O Conselheiro do Crime nascendo de improvisos dos atores? Cinema tem que causar um prazer para todos os sentidos, e não apenas para os olhos. Tem que causar prazer para os ouvidos também. Acho que esse lance de não decorar o texto vem da escola "Fátima Toledo", que f**** toda uma geração de atores com esse método de buscar a espontaneidade com suas próprias palavras. Esse tipo de falso naturalismo, saca? Por isso tantos críticos afirmam que o problema do cinema brasileiro é que não há bons roteiristas, o que é mentira. Na verdade, a grande maioria dos atores não está falando os diálogos originais. Então o espectador vê o filme e diz: "Caramba, o roteirista escreveu isso?"

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