Viver dentro de uma literatura é bem diferente de ler esta literatura a partir de outro país. Sempre que posso, pergunto às pessoas sobre autores portugueses pouco valorizados, mas as respostas são geralmente viciadas. Passo duas ou três vezes por semana pelas livrarias, leio suplementos literários, estive em um ou outro encontro de escritores. Nada me deu mais informações, no entanto, do que as entrevistas com o escritor, editor e crítico Luiz Pacheco (1925-2008) – “O crocodilo voa” (Tinta da China, 2015).
Pacheco foi figura controversa, com uma obra abandonada por quartos e casas alugadas. Entre os livros e panfletos publicados, 39 voluminhos, destaque-se “Comunidade” (1964), relato poético de um pai pobre que conta apenas com uma cama, onde reúne sua família – Pacheco teve 8 filhos com várias mulheres, além de ter vivido aventuras com alguns homens, numa existência pontuada por prisões, internações para desintoxicação e para tratamento de saúde. A outra bibliografia, com o que foi perdido ou não concretizado, contém 46 títulos: “Quando se perde um texto, é giro” (p.102).
Se a obra édita não dá a dimensão do escritor, este volume de entrevistas concedidas quando ele andava recolhido a casas de idosos revela uma extraordinária exuberância de pensamento. Pacheco está em seu gênero preferido. Sempre foi um autor oral, para quem falar a literatura, mais do que falar sobre ela, era a essência do fazer literário.
Editor dos surrealistas portugueses (descobriu Mario Cesariny e Herberto Helder), colega de faculdade de grandes nomes, como o ex-presidente Mario Soares, companheiro de clássicos contemporâneos, como José Saramago e José Cardoso Pires, comeu na mão de todos, pois sempre viveu desempregado ou em subempregos, sem poupar os amigos nas críticas que escreveu ou nas entrevistas. Era movido por uma filosofia libertária, não apenas de natureza sexual: “um gajo tem que ser ingrato” (p.67) – a gratidão como prisão de classe.
Denunciando a tendência para o carreirismo na literatura de seu país, a busca desesperada de prêmios, ele dispara julgamentos a torto e a direito: “o Saramago tem uma vida literária um bocadinho abaixo de cão” (p.143). “Ao pé dela [Agustina Bessa-Luís], o Torga, o Vergílio [Ferreira], o Zé Gomes [Ferreira] são tudo merda” (p.181). “O Saramago não é um grande escritor. Mas o Nobel não é um prêmio literário” (p.260). Saramago foi seu amigo até o fim, tendo deixado um belo depoimento sobre o monstro. Tinha razão o Luiz, que disse sobre o amigo: “Pode não ser um grande romancista, mas é um tipo pessoalmente muito correto”.
É claro que há, em tudo isso, exageros e um desejo de tumultuar as hierarquias literárias, mas nunca conheceremos verdadeiramente uma literatura se a sua análise não for feita a partir destas injustiças, ingratidões e pequenas maldades pronunciadas geralmente pelas costas das vítimas, covardia com a qual Pacheco não pactuou. Um dos livros que ele poderia ter escrito é a História Maledicente da Literatura Portuguesa.
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