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Em 1978, o mestre Will Eisner (1917 – 2005) lançaria nos EUA aquela que é considerada a primeira graphic novel publicada: Um Contrato com Deus & Outras Histórias de Cortiço. A obra está sendo reeditada no Brasil pela Devir em uma edição especial com capa dura.

Mas Eisner não foi o primeiro fazer uma graphic novel (romance gráfico). O conceito já existia, só que ainda não havia sido nomeado pela forma como conhecemos hoje em dia as histórias em quadrinhos mais elaboradas, tanto no roteiro como graficamente. "Em 1978, encorajado pela obra dos artistas gráficos experimentais Otto Nückel, Franz Masareel e Lynd Ward – que, na década de 30, publicaram romances autênticos narrados com arte sem texto – tentei realizar um trabalho importante de forma similar", relembra o autor no prefácio do livro.

Para atrair a atenção de um específico editor de publicações populares para a obra (o que acabou não acontecendo), Eisner chamou-a de graphic novel, nome que acabou sendo utilizado para definir todas as publicações similares que vieram na seqüência.

Um Contrato com Deus reúne quatro episódios e abre uma trilogia ambientada em uma via pública do bairro do Bronx, em Nova Iorque: a Avenida Dropsie – os outros dois livros são A Força da Vida, a ser publicado ainda este ano no Brasil pela Devir, e Avenida Dropsie: A Vizinhança, já lançado no país pela mesma editora.

Os contos escritos e desenhados por Eisner são, em parte, registros e lembranças autobiográficas, de experiências que viveu ou observou quando era jovem em Nova Iorque, crescendo durante o período da Depressão (década de 30); outros são histórias que ouviu de diversas pessoas, às vezes referentes a outros períodos, mas que adaptou à mesma época retratada em boa parte de suas obras.

"Um Contrato com Deus", que abre o livro, revela sentimentos baseados em uma tragédia pessoal vivida pelo desenhista. Na história, Frimme Hersh, judeu vindo da Rússia, prospera na América dedicando-se à caridade. Quando jovem, ele havia redigido, em uma pedra, um contrato com Deus no qual prometia ser bom se fosse reconhecido por isso. Frimme adota uma menina que cria com todo o carinho, mas ela morre jovem, causando sua ira, pois acha Deus teria quebrado o contrato.

A filha única de Eisner morreu ainda adolescente, de leucemia, em 1969. "A criação dessa história foi um exercício de agonia pessoal. Meu coração ainda sangrava. De fato, eu nem mesmo conseguia pensar em discutir a perda naquela época", relata ainda no prefácio, lembrando que a aflição de Frimme era a sua, era ele na verdade discutindo com Deus. "Exorcizei meu ódio contra uma divindade que eu acreditava ter violado minha fé e havia privado minha linda filha de 16 anos da sua vida no auge do desabrochar", completa.

O livro segue com "O Cantor de Rua", sobre um maltrapilho que recebe alguns trocados para fazer pequenas serestas para os moradores do cortiço da Avenida Dropsie; "O Zelador", também relacionado ao mesmo edifício; e "Cookalein", sobre as férias em uma fazenda. São histórias simples, ao mesmo tempo belas e realistas, de um astuto observador da condição humana, que descortina a luta das pessoas pela sobrevivência em meio as dificuldades e obstáculos da vida. Um clássico do nosso tempo em quadrinhos.

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Serviço: Um Contrato com Deus & Outras Histórias de Cortiço, Devir, 200 págs., R$ 48,50.

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