São Paulo (Folhapress) – Em Funeral de Chopin, a primeira vítima é George Sand. Em sua biografia do compositor polonês, a nova-iorquina Benita Eisler traça um perfil implacável da mulher que com ele viveu por nove anos.

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Nascida Amandine-Aurore-Lucile Dupin, George Sand (1804-1876) escreveu muita ficção (como o roman à clef Lucrezia Floriani, que descreve sua relação com Chopin) que, em geral, não resistiu ao teste da posteridade.

Com uma vida sentimental movimentada (entre muitos outros, foi amante do poeta Alfred de Musset e de Prosper Merimée), seus escritos mais conhecidos são uma autobiografia e a volumosa correspondência, adotados por vários biógrafos de Frédéric Chopin (1810 – 1849) como fonte essencial sobre a vida do compositor.

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"Quaisquer infortúnios que lhe pudessem suceder [...], as coisas sempre acabavam bem para George no fim das contas", escreve Eisler, sem levar a sério a prosa autojustificativa de Sand. Descrevendo com minúcias a vida íntima do casal, a autora de Byron, em prosa fluente, caracteriza a escritora como uma manipuladora, que abandonou um Chopin adoentado e, entre seus dois filhos, favorecia descaradamente o homem (Maurice) em detrimento da mulher (Solange), afirmando que esta "não era melhor do que uma prostituta". "O ódio de sua mãe perseguiu Solange até o fim de sua vida infeliz", diz. "Quando passou a aparecer sem ser convidada na hora das refeições, Sand mandou que a alimentassem, mas deu ordens para ninguém da casa lhe dirigir a palavra."

Felizmente, há mais do que fofocas domésticas em O Funeral de Chopin. Começando com uma descrição jornalística das exéquias do compositor e tendo como apêndice uma curiosa discussão sobre uma fotografia de Chopin tirada em 1846, o texto está longe do recorte hagiográfico e explora com riqueza e inteligência as contradições de sua existência, da Polônia natal à migração para a França, aos 20 anos de idade. Eisler mostra, assim, que Chopin era amigo de Delacroix, embora não apreciasse sua estética, preferindo Ingres. Como muitos antes dela, a autora afirma que o compositor, colocado unanimemente pelos historiadores da música como emblema do romantismo em música, foi na realidade "o menos romântico dos artistas", com um gosto musical que reverenciava os mestres do século 18, como Bach, Mozart e Haydn, em detrimento de seus contemporâneos, como Berlioz e Liszt.

Pianista de toque suave e sonoridade pequena, Chopin é retratado também como um dândi, politicamente conservador, que, embora apreciasse a companhia de falantes de seu idioma natal, mantinha uma relação dúbia com a comunidade polonesa refugiada em Paris, e cuja sexualidade era ambígua, oscilando entre o desinteresse pelas mulheres e inclinações homoeróticas.

Nenhum desses traços é enunciado pela autora em tom acusador. Eisler tem muito mais empatia para com Chopin do que para com Sand. Buscando relacionar cada fato marcante da vida do compositor com suas obras musicais (que ela é capaz de descrever em termos técnicos, mas sem pedantismo), a nova-iorquina constrói um Chopin mais humano do que a figura fossilizada dos verbetes dos dicionários de música.