Há um consenso entre os estudiosos da obra de Euclides da Cunha: o tema central, e mais importante, de Os Sertões é o contraponto, ou o choque, entre a civilização do litoral e o Brasil do interior dicotomia que continua atual. Essa temática não era ideia-fixa de Euclides. No início do século 20, João do Rio também chamava a atenção para o fato, em crônica que já diz tudo no título: "Quando o Brasileiro Descobrirá o Brasil?".
Euclides era um militar que, ainda durante o Império, já manifestava simpatia pelos ideais republicanos e pelo conceito, importado, de democracia. Mas ao ver, com os próprios olhos, o exército brasileiro massacrando sertanejos no interior baiano em nome da democracia, o escritor teria as suas convicções abaladas.
Se a elite brasileira não percebeu na época, no final do século 19, de que o sertão é um Brasil diferente, onde não se pode implantar facilmente democracia e outros conceitos concebidos fora do país, Euclides enxergou o abismo intransponível que havia (e que ainda há) entre o litoral e o interior.
O militar, futuro autor de Os Sertões é o que explica o professor de História da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Marco Antonio Villa iria ingressar no grupo chamado "Desiludidos da República", ao lado de outros notáveis (Raul Pompéia era um deles) que "caíram das nuvens" quando se deram conta de que a República não passou de uma continuidade dos piores vícios do Império.
De 1898 até 1901, Euclides viveu em São José do Rio Pardo, no interior paulista. Funcionário do governo, recebeu a incumbência de construir uma ponte na cidade. A professora de Literatura da UERJ Maria Consuelo Campos encontra uma metáfora na missão. "Euclides da Cunha decidiu escrever Os Sertões, durante a temporada em São José do Rio Pardo, para fazer uma ponte entre o interior e o litoral do Brasil", afirma.
E essa "ponte" construída por Euclides da Cunha, por meio de Os Sertões, iria abrir muitos caminhos. O professor de História da Cultura da Universidade Estadual Paulista (Unesp) José Leonardo do Nascimento lembra que, antes da inauguração de Brasília, o presidente Juscelino Kubitschek leu trechos de Os Sertões no canteiro de obras. "Brasília é um projeto euclidiano. Construir a Capital Federal no interior do Brasil é uma homenagem ao legado de Euclides da Cunha", analisa Nascimento.
Os Sertões estabeleceu um cânone sobre o sertão. A tese é do professor da Unesp, que cita tanto o romance monumental Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e o Cinema Novo como obras que dialogam com o livro de Euclides da Cunha.
O efeito, a influência e a força de Os Sertões são tamanhos, que o professor do Curso de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Ricardo Barberena afirma que até mesmo "quem não leu o livro de Euclides foi influenciado por sua textura simbólica e narratológica (que está presente, direta e indiretamente, na cultura brasileira)" O escritor Wilson Bueno vai além, e diz que ninguém pode se considerar um leitor se ainda não passou pelas "gozosas" páginas de Os Sertões.
O escritor peruano Mario Vargas Llosa teve em Os Sertões o ponto de partida para a confecção de seu romance A Guerra do Fim do Mundo. "Eu não teria escrito esse romance sem Euclides da Cunha, cujo livro Os Sertões me revelou, em 1972, a guerra de Canudos, e um dos maiores narradores latino-americanos", escreveu Llosa, na apresentação de sua longa narrativa.
O colunista da revista Veja Roberto Pompeu de Toledo é direto ao definir Os Sertões: "É um dos melhores livros brasileiros. Se você me permite misturar ficção e não-ficção, é tão poderoso quanto Dom Casmurro, de Machado, e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa." E o professor de Literatura da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Marcelo Franz é categórico: "Euclides da Cunha fez o retrato de uma época por meio de um texto de inquestionável grandeza."
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