Não é preciso estar com o "pé na cova" para fazer uma revisão da vida e pensar: o que falta fazer? A pergunta ronda o sono de Aderbal Freire-Filho. Aos 71 anos, o diretor teatral de peças como Hamlet, encenada com Wagner Moura, e As Centenárias, com Marieta Severo e Andréa Beltrão, voltou aos palcos como ator em Depois do Filme, monólogo em que explora seu personagem no filme Juventude (2008), de Domingos de Oliveira. O artista conversou com a Gazeta do Povo sobre esses e outros trabalhos antes da estreia de sua peça no Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte (FIT-BH), há duas semanas.
Por que Juventude rendeu uma continuação?
Talvez a principal razão seja porque achei que o personagem podia ser explorado mais. No filme, os personagens têm alguma identidade com a gente. O meu é um médico paranaense, e me interessou explorar a coisa de ele não ter dado certo na profissão. Além disso, me interessam os temas do filme, como o da juventude ao contrário. São caras que descobrem os mesmos desejos, as mesmas obsessões da juventude, e não têm mais tempo, porque não são jovens, são velhos. Esse conflito com a mente que ainda quer produzir me interessa muito. E eu quis dizer as minhas coisas sobre isso.
Por isso o formato de monólogo, com você como ator?
Uma coisa que a gente faz nessa idade é balanço ver o que eu fiz, o que eu não fiz, para tentar fazer correndo. O meu balanço cobra muito o meu afastamento do palco como ator. Fui para o Rio fazer carreira de ator e a certa altura encontrei a direção e me desviei, achei que era o meu meio principal de expressão, o lugar onde podia dizer as coisas que eu queria. E sou fascinado até hoje por direção. Quando leio ou assisto, vejo tantos caminhos a explorar... mas esse balanço me faz querer atuar mais. Então, vou correr atrás. Outro desejo era escrever era minha vocação infantil. Montei várias peças escritas por mim, mas queria escrever mais. E se somaram essas duas funções do teatro e esse personagem.
Você ficou satisfeito?
Não vou voltar ao mesmo personagem, provavelmente, mas vou explorar esse tema. Assim que sair de cartaz, pensei em escrever outra peça imediatamente. Mas o mesmo que me afastava dos palcos continua me afastando, eu sou muito requisitado como diretor.
Você não vê como natural a passagem do ator para diretor de peças?
Não é obrigatório. Claro que o diretor que foi ator tem uma visão de dentro. Tem coisas que só se aprende na prática, não tem teoria que resolva. E eu vejo muito os críticos sofrendo desse mal. Eu acho mais grave os críticos que não passaram de algum jeito pelo palco.
Depois do Filme questiona os limites entre ficção e realidade. Essa é uma tendência? Reflete uma crise de temas dentro do teatro?
Acho que este é um momento de reinventar o teatro, mas que já dura um século. O nosso teatro passou a conviver com o cinema, que é uma apropriação das sementes do teatro o ator, o diálogo, a história contada sem narrador. E, com o cinema, foi-se cobrando do teatro um realismo que não está nas suas origens, nos gregos, em Shakespeare. Mais até, cobra-se um naturalismo, e o teatro foi se mostrando incapaz para isso. Por isso, até os anos 1960, eu diria, o teatro não explorava suas possibilidades.
Quais são elas?
O cinema nos levou ao dramático, então podemos, melhor que o cinema, aproveitar o narrativo. Alguns caras deram um impulso nisso, e talvez o melhor deles seja Brecht, que discutiu a ilusão no teatro. Ela não é mais permanente, e sim compartilhada com o espectador. Na minha peça, por exemplo, uso a linguagem de roteiro de cinema. Cada cena começa com uma descrição como "exterior, noite, a ponte Rio-Niterói. No meio da ponte, um carro parado". A descrição situa e depois faço a cena.
Então você não vê uma crise dentro do teatro?
A crise que existe no teatro é que, comercialmente, ele perdeu muito com a televisão. As pessoas conhecem os atores e dramaturgos da tevê, no que seria antes o espaço do teatro. Em compensação, o teatro é melhor hoje do que antes. Um Nelson Rodrigues é maior sempre. Mas os autores como conjunto são melhores hoje, os diretores também. Você vê saudosistas do Teatro Brasileiro de Comédia [TBC], e respeita pessoas como [o crítico paulista] Décio de Almeida Prado, mas hoje é melhor.
Como foi seu princípio como autor?
Foi logo no início como ator no Rio. Eu precisava de dinheiro e pensei: "vou escrever uma peça e oferecer ao teatro, já que não tem nada no domingo". Então fiz uma versão de Flicts, do Ziraldo. Primeiro ele não concordou, mas quando eu fiz uma leitura, ele adorou. E eu via que as cenas que eu montava eram muito mais teatrais do que as que eu tinha escrito. As primeiras rubricas que eu descumpri foram as minhas. Quando você está no palco tem todo aquele vocabulário nas mãos. Usar só o que o escritor imaginou é pobre.
A repórter viajou a convite do FIT-BH.
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