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O quarto do Hospital da Cruz Vermelha de Curitiba não era muito grande. Amplo o suficiente para uma cama, uma televisão, um pequeno sofá e uma cadeira. Nela estava sentada Violeta Franco. Quem vê o seu corpo frágil não suspeita que ele foi o veículo para meio século de produção intensa de gravuras e pinturas, grandes no tamanho, no vigor e nas idéias.

Aos 80 anos, o temperamento, o humor e os pensamentos de Violeta estão lúcidos e afiados, embora a memória e o corpo, como ela mesmo observa, não estejam mais à altura. Assim, a artista, presença fundamental no modernismo paranaense, recebeu a vista da reportagem do Caderno G e do professor e crítico de arte Fernando Bini.

O estudioso nutre interesse pelo trabalho de Violeta Franco decola de Belas Artes do Paraná. Afinal, ela era a personagem central na famosa "garaginha", o pequeno ateliê instalado em uma garagem de uma chácara de seu avô. O lugar era o ponto de encontro de uma geração de artistas que incluía Loio-Pérsio, Fernando Velloso, Paul Garfunkel, Alcy Xavier e Emilio Romani.

"Esse é o primeiro ponto de encontro, entre vários outros que viriam a acontecer, que discute a arte moderna em Curitiba", destaca Bini. Ele lembra que Violeta foi aluna de Guido Viaro, que, naquele tempo, abria um caminho modernista dentro de uma Curitiba onde "ainda predominavam os preceitos acadêmicos". Depois, lembra o pesquisador e amigo, Violeta aprenderia gravura com Poty, e acabaria liderando o movimento ligado à técnica no Paraná.

Na vida pessoal, viveu um casamento com Loio Pérsio, advogado que se tornaria um grande pintor brasileiro. Curitiba experimentava, então, um sopro de renovação e uma efervescência cultural na pioneira galeria Cocaco, outro ponto de encontro dos artistas.

Rendas

No trabalho, Violeta passou por várias fases. Pintou retratos de herança expressionista para depois focar-se na flora e fauna brasileira, influência vinda do pai naturalista. "Ela sai do Paraná bastante marcada pela cultura do Viaro. Eram quadros escuros, mas completamente pessoais, ao contrário de alguns outros artistas que não conseguiram emancipar-se da influência do mestre", explica Bini.

Violeta criou uma pintura própria, utilizando recursos ainda não-vistos por aqui. "Ela colava nos quadros as rendas que pertenciam a sua avó. Por isso, o processo dela foi diferente, de dar uma identidade ao quadro não apenas pelo retrato, mas pelos objetos que pertenciam ao retratado."

O casamento com Pérsio acabou em 1957, e, acompanhada de dois filhos, ela seguiu para São Paulo, onde fez as primeiras exposições individuais. "Eu comecei a organizar exposições, queria levar as pessoas daqui para exporem lá.

O então diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp), Pietro Maria Bardi, olhou para mim e disse: ‘Por que você não expõe no museu?’ ‘Eu não sou louca’, respondi", relata Violeta, relembrando sua reação ao convite do prestigiado Bardi, crítico de origem italiana e diretor do Masp por mais de 50 anos.

Em São Paulo, ela também desenvolveu trabalhos ligados à arte-educação, que depois viria a aplicar em Curitiba. "Eu introduzi o conceito na escola, em uma garagem – sempre tem uma garagem na minha vida –, um ateliê para as crianças pintarem, e elas podiam pintar o que quisessem. Eu lhes dava elementos. O resto ficava por conta deles", relembra.

O temperamento de menina rebelde "que passou por quase todos os colégios religiosos de Curitiba, sendo expulsa sempre" ainda estava vivo. Fazia o que bem entendesse. "Até fui manequim. Eu desenhava roupas, mas tinha certas roupas que precisavam de um jeito de corpo para vestir, então eu fazia isso, mas nunca tive a pretensão de ser manequim", recorda. O curioso é que Violeta até desfilou em um lançamento de moda de inverno no Graciosa Country Club.

Paralelamente, Violeta teve contato com a arte feita no mundo e convivia com o topo da intelectualidade paulista. "Assim, ela descobre a cor. Ao voltar para Curitiba, nos anos 70, a pintura dela vem completamente clara. Voltam as formas da infância, ela não trabalha mais na figura. São sempre formas abstratas, partindo ou da flora ou da fauna", comenta Fernando Bini.

Esse período é contemplado por três telas expostas atualmente no Museu Oscar Niemeyer, dentro da mostra Fragmentos de Modernidade . "São três pinturas em que ela trabalha com a linha de contorno preta, mas as formas já são coloridas. Ela cria os elementos e a composição é completamente livre. É uma fase intermediária, em relação ao trabalho que ela viria a desenvolver nos anos 80 e 90", comenta Bini. Os seus trabalhos dos anos 90 usam cores que se tornam mais mais suaves, mais lúcidas e transparentes, segundo pesquisador.

Como é habitual no mundo das artes, a aposentadoria não existe. Violeta Franco diz que não se sente realizada. "Não vou ser hipócrita ao ponto de dizer que não fiz nada. Eu fiz, mas lon-ge de ser aquilo que eu queria. Queria fazer mais, mais, mais. Nem sempre dá", afirma.

Serviço: Mostra Fragmentos de Modernidade. Museu Oscar Niemeyer (R. Mal. Hermes, 999), (41) 3350-4400.

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