Nesse país de tantos desatinos e frustrações, afinal vem do STF alguma luz. Logo da carruagem do STF, um tanto arcaica e fora de moda, não raro dissimulada por detrás de um linguajar pernóstico e cansativo. Mas é preciso reconhecer: há um fundo de indignação ética que afinal alcança os poderes mais altos da República. Os cafajestes de todas as espécies têm com o que se preocupar.

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De um modo geral, a indignação do povo brasileiro se limita a um muxoxo cético quando se comenta os desmandos do país. As frases preferidas – e lamentáveis – são: "é assim mesmo", "o Brasil não é um país sério", "todos agem assim", "vai terminar em pizza", "não se pode fazer nada", "eles acabam dando um jeitinho". Etc.

Essa ladainha, que se pretende crítica e indignada, é na verdade lamentosa e resignada. Não conduz a lugar algum. Dá-se por estabelecido que o país é mesmo de segunda classe, que os dirigentes sempre fizeram e para sempre farão o que bem entenderem, que a mentira e a trapaça são as grandes contribuições do país à civilização ocidental.

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É claro que temos exemplos inúmeros que nos conduzem a pensar assim e sei que não vale a pena enumerá-los aqui. De um modo geral, à ladainha lamentosa dos brasileiros corresponde uma cultura da desconversa por parte de governantes. Os problemas são adiados, minimizados, e se aposta que o próximo escândalo fará esquecer o anterior. Também será esquecida mais uma morte num corredor de hospital, as escolas caindo aos pedaços, as verbas sumindo pelo ralo da corrupção e dos desvios dos caixas dois, os projetos anunciados como se fossem a salvação da pátria que terminam não passando de golpes publicitários fabricados para receber os holofotes da mídia. Pensemos nos inúmeros improvisos nas áreas da educação, da saúde, da infraestrutura etc.

Pois o STF nos dá um contraexemplo. Já não se poderá sustentar impunemente que caixa dois é algo que "todo mundo faz" e que o "mensalão não existiu". Menos ainda a tese dos advogados dos acusados, me pareceu pífia. Homens cheios de metáforas e ípsilones – quem sabe esperançosos na tradicional impunidade – limitaram-se a exigir a absolvição de seus clientes alegando que não havia provas contra eles. Pois eu penso que, se tudo não passou de ficção, deveríamos candidatar o redator do relatório da Procuradoria Geral da República, Roberto Gurgel, ao Prêmio Nobel de Literatura.

No entanto, a novidade nesse momento – e é isso que nos dá alguma esperança – é que juízes do STF estão fazendo apenas aquilo que é óbvio fazer nesses casos. Sem desconversa. Sem jeitinhos. Sem complacência com quadrilheiros de qualquer calibre ou espécie. Analisando provas, relatos, indícios, e aplicando a lei. É apenas isso que se espera de um país que queira de fato dar um salto de consciência social e política, entrando para o rol das grandes democracias.

Até o momento em que escrevo, o STF deu à carruagem um andar seguro e determinado. Age bem. Age como a nação espera que o faça. E tem a chance histórica de dar ao país uma lição política exemplar – longe das desconversas politiqueiras – mostrando a todos nós o que já sabemos e que há muito esperamos ver convertido em realidade: todos nós somos responsáveis pelo país e ninguém, seja quem for, pode estar acima das leis. Se houve prevaricação, peculato, corrupção passiva ou ativa, se alguém subornou ou foi subornado, não se deve passar a mão na cabeça de partidários e comparsas, eis tudo. Sem desconversa.

É claro que a carruagem ainda está a caminho. Há sempre o perigo de que possa descarrilar em algum momento, mas vale registrar, antecipadamente, que estamos gostando do andamento. É bom saber que há no país algo mais a aplaudir do que os dribles do Neymar.

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Como escrevi no dia 12 de agosto passado, nessa mesma página, a verdade pode ser o óbvio. E fazer o óbvio nem sempre é fácil, mas quase sempre é decisivo.