Diretores
Saiba quem são os estreantes Renato Terra e Ricardo Calil, diretores do documentário Uma Noite em 1967
Renato Terra
Atualmente, o publicitário coordena projetos de internet na revista Piauí. Com uma relação forte com a música, teve a ideia de realizar o documentário em 2003 e, dois anos depois, convidou Ricardo Calil para realizar a codireção.
Ricardo Calil
Antes de atuar como jornalista, Calil estudou dois anos de Cinema na Universidade Estadual de São Paulo (USP) e realizou uma extensão na área em Nova York. Hoje é diretor de redação da revista Trip, crítico de cinema do jornal Folha de S. Paulo e titular do blog Olha Só.
Foi como viajar no tempo até 1967. O transbordamento de emoções do público que assistiu à exibição do documentário Uma Noite em 1967, na segunda-feira passada, no Paulínia Festival de Cinema 2010, foi uma resposta para lá de positiva aos propósitos dos diretores Renato Terra e Ricardo Calil. "Queríamos que o público tivesse a experiência de se sentir presente naquela noite", diz Terra.
Ele se refere ao dia 21 de outubro de 1967, a noite final da 3.ª edição do Festival de Música Popular Brasileira, realizado pela TV Record, que mudaria os rumos da história da MPB e seria lembrado mesmo por quem ainda nem sonhava em nascer naquela década. Como Terra, de 29 anos, publicitário e editor de internet da revista Piauí que idealizou o documentário.
Em 2005, ele convidou outro jornalista, o crítico da Folha de S. Paulo Ricardo Calil, de 37 anos, para ajudá-lo na codireção, e sem nenhuma experiência em cinema, além do exercício da crítica, os dois produziram um dos mais surpreendentes filmes da farta leva recente de documentários sobre música. Contaram com aliados como a produtora Videofilmes e uma equipe técnica que realizou os últimos longas-metragens do documentarista Eduardo Coutinho que, inclusive, aconselhou os estreantes.
Retaguarda fundamental para ter acesso aos artistas que, na época, receberam os cinco primeiros prêmios do festival, que teve 12 finalistas. Nesta ordem: Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso e Roberto Carlos. E, é claro, ao compositor cuja desclassificação ganharia contornos lendários: Sérgio Ricardo.
Todos, até mesmo o inacessível Roberto Carlos, contribuíram com depoimentos generosos, entremeados na montagem às imagens de arquivo cedidas pela TV Record de modo a criar um diálogo entre passado e presente. Eles comentam sem saudosismos os momentos tensos que vivenciaram no Teatro Paramount, onde se realizou o festival, lembrando passagens pitorescas, engraçadas e até dramáticas. "Fomos muito preparados para as entrevistas, então, conseguimos uma cumplicidade legal", conta Terra.
O mocinho
"Nem toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha". A frase escrita por Chico Buarque em um artigo, e citada pelos diretores na entrevista ao compositor, provocou uma reflexão do cantor sobre seu isolamento com o surgimento do tropicalismo. Chico brinca ao dizer que estava sempre bêbado nas reuniões para discutir o movimento e, alheio ao grupo, começou a ser chamado de velho com 22 anos!
O compositor de "Roda Viva" era considerado o mocinho do festival por sua beleza de príncipe, o cigarro sempre à mão (já existiu um tempo em que era permitido fumar em ambientes internos) e o smoking bem diferente do "cabeludo" Veloso, como Caetano era chamado pelo entrevistador Randal Juliano.
Há, ainda, depoimentos de personalidades que ocuparam funções no festival como o escritor Sérgio Cabral, que foi jurado; Solano Ribeiro, organizador do evento; o pesquisador musical Zuza Homem de Mello, que foi engenheiro técnico de som; e o jornalista Nelson Motta, que cobria o evento e tinha uma composição sua, "O Cantador", entre as concorrentes.
Com tantas falas, o filme poderia se tornar burocrático, mas os diretores se preocuparam em buscar recortes que permitissem ao espectador compreender sem didatismos o festival e seu contexto social. Optaram, por exemplo, em deixar a reflexão para os entrevistados, todos presentes no Teatro Paramonunt, e exibir a apresentação das canções na íntegra.
Atitude rock-and-roll
Vivia-se a ditadura militar e isso se refletia nas letras de cunho político como a vencedora, "Ponteio", de Edu Lobo , na postura contestatória dos artistas e na reação impositiva da plateia que lotava o teatro. As vaias, mais do que os aplausos, dominavam o teatro dividido em torcidas organizadas das mais ferrenhas e assombravam os competidores.
O mais prejudicado por elas foi o compositor Sérgio Ricardo que, depois de cantar a duras penas sua música, "Beto Bom de Bola", descontrolou-se e quebrou o próprio violão, atirando-o enfurecido na plateia. O gesto para lá de rock-and-roll, que provocou sua desclassificação, faria com que o músico se tornasse uma espécie de proscrito. No depoimento que dá ao filme, mais de 40 anos depois, Sérgio Ricardo brinca que hoje não atiraria seu instrumento no público. "Primeiro, porque agora toco piano".
Calil espera que o documentário estimule o interesse do público por este "compositor excepcional", que um ano antes do festival já havia feito a trilha do filme Deus e O Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. "Ele ficou estigmatizado mais do que deveria e, por isso, quase não ouvimos falar dele", diz.
Fora guitarra!
A rivalidade de opinião musical era tamanha que um grupo de pessoas realizou até mesmo uma passeata contra a guitarra elétrica algo que hoje parece alienado diante do momento político que se vivenciava. O intrumento significava para alguns uma abertura para a invasão da indústria cultural norte-americana.
O fato foi lembrado pelos participantes do filme porque Caetano Veloso e Gilberto Gil que cantaram respectivamente "Alegria, Alegria" e "Domingo no Parque" ousaram inserir guitarras elétricas em seu conjunto musical. Gil, heresia das heresias, convidou até mesmo uma banda de rock para tocar com ele: Os Mutantes. A princípio contrariado, o público, que usava a vaia como arma política, foi baixando a guarda e terminou aplaudindo as apresentações dos dois baianos.
O filme, que estreia em circuito nacional no próximo dia 30, promete atrair não só os mais velhos, dispostos a relembrar a euforia gerada por aquela "era dos festivais", ocorrida entre 1965 e 1972. "Temos recebido depoimentos de pessoas que dizem que o documentário toca uma corda muito íntima delas. Mesmo os mais novos dizem ter se sentido como se estivessem lá", orgulha-se Calil.
A repórter viajou a convite do Paulínia Festival de Cinema.
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