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Michael Fassbender e Viggo Mortensen interpretam os pais da psicanálise Carl Jung e Sigmund Freud, respectivamente | Fotos: Reprodução
Michael Fassbender e Viggo Mortensen interpretam os pais da psicanálise Carl Jung e Sigmund Freud, respectivamente| Foto: Fotos: Reprodução

Polanski faz comédia dilacerante

Roman Polanski assinando comédia? Binômio estranho e in­­quietante. Descontados o longínquo A Dança dos Vampiros, nos idos de 1966, e o grotesco Piratas, de 1986, a filmografia do polonês sempre foi uma grande metáfora de sua própria vida "maldita", feita de sentimento de culpa mal expurgada, golpes mal assimilados e ânsia de redenção. Seu filme mais recente, Carnage, que o diretor adaptou de uma peça de Yasmina Reza, embora não pareça à primeira vista, é dos melhores do cineasta, e foi recebido com entusiasmo em Veneza.

O argumento teatral é simples. Dois casais de classe média bem posta se encontram no apartamento de um deles para conversar sobre a briga entre os filhos no colégio. O desentendimento resultou em agressão e dois dentes a menos na boca de um dos pré-adolescentes. São apenas 79 minutos de duração, mais que suficientes para que os quatro personagens participem de uma surrealista troca – a princípio de gentilezas temperadas por compreensão e intenções de paz, depois de progressiva perda de e­­­ducação e bons costumes e enorme ganho de agressividade.

Fica então estabelecido um jogo de perversidades, uma troca de farpas verbais absolutamente letais. As reais personalidades de cada um saem da hibernação e da aparente calmaria. O resultado é uma das mais devastadoras e hilárias representações do declínio da civilização ocidental.

A escolha do elenco é outra surpresa, tratando-se de Polanski. Kate Winslet, Jodie Foster, John C. Reilly e Christoph Waltz compõem o quarteto da corrosão, sério candidato a um premio co­­ral de interpretação. (CLJ)

  • O elenco de Carnage, com Roman Polanski ao fundo: da amabilidade à perversidade

Um Método Perigoso, exibido ontem no Festival de Veneza, é o melhor filme já realizado sobre a psicanálise. Tal afirmação, aparentemente pretensiosa, encontra justos fundamentos após 95 minutos de excelência cinematográfica orquestrados pelo canadense David Cronenberg, um dos diretores mais iluminados e paradoxalmente mais obscuros que ainda estão na ativa. Bem, nem tão paradoxalmente assim: afinal, a ambiguidade, o embate entre luz e sombra esteve sempre presente em sua poética, digamos, extravagante e bizarra – a totalidade de sua obra abriga títulos notáveis e coerentes na avaliação dos abismos da mente humana, como Videodrome (1983), A Mosca (1986), Gêmeos – Mórbida Semelhança (1988), Crash – Estranhos Prazeres (1996) e Spider – Desafie Sua Mente (2002). Agora, Cronenberg explica Freud. E Jung.

Assim, quem se não ele teria credenciais mais apropriadas para se aproximar da complexa sacralidade que envolve os dois ícones que criaram e fixaram os alicerces da teoria psicanalítica? A Dangerous Method (ainda sem título no Brasil), mais um bom momento da seção competitiva do festival italiano, foi justificadamente muito aplaudido na sessão para a imprensa e também na entrevista coletiva, quando Cronenberg foi praticamente ovacionado. E, com certeza, vai oxigenar freudianos, junguianos e cinéfilos de carteirinha. Cinquenta anos depois, o cult Além da Alma, de John Huston, ganha honrosa companhia ao abordar a psicanálise. E as quase 60 outras aparições de Freud na tela ficam definitivamente reduzidas a segundo plano.

História

Na Europa do início do século 20 nasce a psicologia, ao mesmo tempo em que o cinema vai plantando suas raízes. Tudo muda. O homem descobre que é habitado por um ou mais seres interiores. Freud os chama de ego, id, superego. A identidade se fratura, assim como o cinema e a literatura mudam de olhar, de pontos de vista. Dr. Freud (Viggo Mortensen, magnífico), Dr. Jung (Michael Fassbender) e entre eles Sabina Spielrein (Keira Knightley), paciente, discipula, objeto de desejo e detonadora sexual. Uma história de simetrias, dependências, instintos e coincidências. Uma viagem ao interior do grande labirinto que é a mente humana. Set ideal para o cinema de Cronenberg, que se mostra aqui didático e interessante na medida exata, observados os necessários limites entre a academia e o entretenimento.

Para dramatizar esta história e estes personagens fascinantes, o diretor se valeu de um denso, minucioso roteiro de Christopher Hampton, baseado em seu próprio texto teatral, The Talking Cure, e no livro A Most Dangerous Method, de John Kerr. Mas uma outra fonte foi decisiva para a construção da trama, como afirmou Cronenberg na coletiva: "A troca de cartas entre Freud e Jung, desde o inicio da relação entre eles até a ruptura por divergências profundas, foi fonte indispensável, e acredito mesmo que a riqueza desse material de consulta nos deu perspectivas muito férteis para a construção dos personagens." De fato, a densidade epistolar joga papel decisivo para o argumento.

Embora ainda prematuro afirmar, não se nega A Dangerous Method uma legítima aspiração ao Leão de Ouro, levadas em conta as muitas virtudes que o filme demonstrou. Sobre coincidências, que aliás desgostavam a Freud, Cronenberg até brincou na coletiva: "Veneza e eu estamos completando 68 anos, e o filme de abertura foi The Ides of March (Tudo pelo Poder). Março é o mês em que nasci. Anotem isso."

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