Recordes
As proezas de Tropa de Elite 2 nos cinemas brasileiros
Público
Em 20 dias, vendeu 6,2 milhões de ingressos, segundo dados da Rentrak EDI até ontem (faltando a coleta do resultado de cerca de 40 salas).
Recorde
Com esse número, Tropa 2 supera o recorde de 6,13 milhões, estabelecido por Se Eu Fosse Você 2 (2009), e se torna a maior bilheteria nacional (quase R$ 60 milhões) desde a Retomada do cinema brasileiro, em 1995.
Impressionante
Tropa 2 está em quarto lugar histórico entre todos os filmes já exibidos em telas brasileiras, ganhando das séries A Era do Gelo, X-Men, Harry Potter, Shrek, Piratas do Caribe e Matrix; e do primeiro Homem-Aranha.
Há um comercial de alguns anos atrás, assinado pela W/Brasil, de Washington Olivetto, que alguém no YouTube onde, aliás, é possível assisti-lo na íntegra classificou como a "melhor propaganda do século 20". Exagero, talvez, mas é mesmo das mais inteligentes da história da publicidade brasileira e mundial. A locução em off descreve os feitos de um líder que, entre bons números na economia, "pegou uma nação destruída e devolveu o orgulho a seu povo", além de ter sido um homem que "adorava música e pintura e, quando jovem, imaginava seguir a carreira artística". A tomada se afasta e, dos pontos em preto e branco que víamos no início, forma-se a imagem de Adolf Hitler. O slogan arremata: "É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade", e segue-se a assinatura do anunciante, o jornal Folha de S.Paulo.
Lembrei do comercial ao assistir Tropa de Elite 2. Só que a frase que me veio à cabeça simultaneamente aos aplausos da plateia na sala ainda escura parece que virou moda, Brasil afora, ao final de cada projeção do filme diz o inverso: "É possível contar um monte de verdades que acabam virando apenas uma grande bravata".
Antes de mais nada, esclareço: Tropa 2, como cinema de entretenimento, é excelente. Minha avaliação estética do que assisti e talvez o leitor, afinal, espere esse veredito de um texto como este não poderia ser outra: se falado em inglês, concorreria fácil ao Oscar de melhor filme, cabeça a cabeça com os mais bem-sucedidos policiais produzidos em Hollywood nos últimos anos, na linha de um Martin Scorsese, ou ainda da mão firme de um diretor incontestável como Clint Eastwood. Com a vantagem de que Wagner Moura e cia. são uma trupe formada por atores mais talentosos do que os atualmente disponíveis no mercado americano.
Dito isso, assim como em Tropa 1 (mas de um jeito diferente), me incomodou profundamente o discurso dominante na narrativa. Não vou, aqui, repisar o suposto problema de uma ideologia fascista por trás da voz do agora Coronel Nascimento apesar da referência a Hitler no parágrafo inicial. Tampouco me refiro à questão "técnica", apontada por vários entendidos, da opção pela narração em off do próprio Nascimento, que induziria o espectador a determinadas conclusões (novamente apenas coincidência com o comercial do qual me lembrei). Penso que meu incômodo tem mais a ver com a sensação de que, embora ataque com propriedade algumas das muitas causas de sermos um país extremamente violento, o filme de José Padilha faz a plateia acreditar que conhece, assim como o próprio diretor, a solução dos nossos problemas. Ingenuidade e equívoco a um só tempo.
É uma verdade cristalina a de que "o sistema", como diz o Coronel Nascimento, sempre encontra um jeito de faturar. A de que a violência nos morros e nas periferias não se resume a uma querela entre bandidos e mocinhos. A de que a política do baixo clero aos altos escalões está envolvida no crime no Brasil (embora, na minha opinião, falte verossimilhança às sequências protagonizadas pelo fictício governador do Rio de Janeiro, um dos únicos personagens caricatos sem que isso fosse deliberado, como no caso do deputado/apresentador de programa policialesco). É verdade, enfim, que as classes abastadas dos estratos médios para cima contribuem para esse estado de coisas. E é exatamente aqui que se pode detectar a grande bravata do filme.
Assim como em Tropa 1, o cidadão brasileiro médio chamemos assim aparece pouco na tela. (O professor Fraga poderia representá-lo, mas quem de nós meteria a cara na política como ele?) Na continuação recém-lançada, como notou o sempre perspicaz crítico José Geraldo Couto, a cena emblemática e pouquíssimo comentada é a dos comensais de um restaurante chiquezinho aplaudindo o coronel quando entra ali disposto a chamar às falas os políticos que tentavam derrubá-lo.
Quem são essas pessoas que aplaudem no restaurante cenográfico como no final da exibição de Tropa 2?
Fico com a nítida sensação de que são as mesmas pessoas que, encontrando na rua algum político "vagabundo" e "ladrão", acham que estão exercendo um papel cívico relevantíssimo xingando-o ou, quem sabe, atirando-lhe uma bolinha de papel, uma bobina de fita adesiva ou uma bexiga dágua. Entre figuras públicas supostamente cada vez mais indistintas, o cidadão médio em questão xinga ou agride aquele que não é da sua turma, ou seja, que não defende baixar seus impostos ou, do outro lado, pagar mais bolsa-família e liberar o crédito para cada vez mais gente se endividar feliz com carro novo e televisão último tipo.
Esse arremedo de indignação não contribui, absolutamente, para melhorar o que quer que seja e nele se incluem a declaração de Wagner Moura (do próprio, não do personagem que interpreta na tela) de que "todo mundo já teve vontade de dar um tapa em um deputado safado" ou, ainda, a recusa de José Padilha a comentar a atual eleição, preferindo evasivas, quando não piadinhas e lugares-comuns, nas entrevistas que concede. Seguiremos vivendo a rotina do aplauso à falsa solução, à grande bravata enquanto, reconheçamos, nossa atividade cívica cotidiana e real é próxima de zero. E, pior (porque isso, sim, paradoxalmente, poderia ser a solução, como foi em vários países desenvolvidos), com uma classe média crescente, mas parece que cada vez menos politizada e esclarecida.
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