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“Ophelia” (1852), de John Everett Millais. O suicídio da amada de Hamlet foi muito explorado pela pintura do século 19 | Reprodução
“Ophelia” (1852), de John Everett Millais. O suicídio da amada de Hamlet foi muito explorado pela pintura do século 19| Foto: Reprodução

Roteiro

Confira a programação completa do 4º Abril de Shakespeare

Hoje

18h - Shakespeare e a Desrazão: Loucos e Bobos nas Peças do Dramaturgo, por Aimara da Cunha Resende, presidente do Centro de Estudos de Shakespeare, no Solar do Rosário (R. Duque de Caxias, 4)

20h - Lançamento do livro Shakespeare sob Múltiplos Olhares, organizado por Anna Camati e Célia Arns de Miranda, no Solar do Rosário

Amanhã

9h30 - A Presença de Shakespeare no Mundo Contemporâneo, por Roberto Ferreira da Rocha, na Universidade Positivo (Auditório do Bloco Bege – R. Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300)

19h - Shakespeare Ontem e Hoje, por Aimara da Cunha Resende, na Universidade Positivo

19h - O Poder Matriarcal na Comédia Shakespeariana, por Marlene Soares dos Santos, na Cultura Inglesa (R. General Carneiro, 777)

Sexta-feira

10h30 - Macbeth e Hamlet: os Deuses Malditos de Visconti, por Roberto Ferreira da Rocha, na Reitoria da UFPR (R. Gal. Carneiro, 460 - Ed. D. Pedro I, 10º andar)

19h - As Faces da Rainha Gertrudes em Três Versões de Hamlet, por José Roberto O’Shea, no edifício José de Barros, sala 223, da Uniandrade (R. João Scuissiato, 1, prolongamento da Av. Iguaçu – Santa Quitéria)

Na internet:www.letras.ufpr.br

O autor de peças como Romeu e Julieta e Otelo, William Shakespeare (1564-1616) raramente criava histórias. E foi tomando emprestado enredos de narrativas de seu tempo ou lendas antigas que o bardo inglês se dedicou a um estudo profundo do homem como jamais se viu, a ponto de o crítico americano Harold Bloom dizer: "A resposta à pergunta ‘Por que Shakespeare?’ é ‘Há algum outro?’".

Um dos elementos que o dramaturgo e poeta renascentista usa para esse trabalho de psicanálise de vanguarda é a loucura, que aparece em suas tragédias em três formas principais: o louco, o louco artificial e o perspicaz bobo da corte. "Acreditava-se à época, e hoje existe um remanescente disso, que o louco é alguém que tem contato com o superior, uma verdade que o homem comum não tem", diz a presidente do Centro de Estudos Shakespearianos, Aimara da Cunha Resende. Essa é uma palinha do que ela traz hoje na palestra Shakespeare e a Desrazão: Loucos e Bobos nas Peças do Dramaturgo, que abre o 4º Abril de Shakespeare, no Solar do Rosário (confira programação completa nesta página). O evento segue até a sexta-feira e conta com o lançamento do livro Shakespeare sob Múltiplos Olhares, organizado por Anna Camati e Célia Arns de Miranda.

"Os loucos são fundamentais na poética de Shakespeare porque falam a verdade sobre os personagens", diz a professora de Literatura da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Célia Arns de Miranda.

Os principais "loucos de verdade" são duas mulheres (o que já rendeu longos estudos da crítica feminista). Ofélia, que ama Hamlet, perde a razão (ou a alcança, dependendo do ponto de vista) quando é rejeitada pelo príncipe da Dinamarca, que ainda por cima mata seu pai. Pouco antes de seu suicídio, ela entrega arruda à mãe de Hamlet (o nome da planta em inglês, "rue", tem por sinônimos arrependimento, remorso e tristeza). E lança: "Um pouco para mim também. Poderemos chamar-lhe erva da graça dos domingos, mas a vossa deverá ser usada de outro jeito", referindo-se à culpa escondida da rainha, que consentira com a morte do marido.

No caso de Lady Macbeth, é pela culpa que vem a loucura, após induzir o marido a matar o rei Duncan. Em sua angústia inesgotável, ela pergunta enquanto esfrega as mãos – que haviam sido manchadas de sangue no início da peça: "Quem iria imaginar que o velho tinha tanto sangue nas veias?"

No limiar da loucura verdadeira e a falsa aparece Rei Lear. Após expulsar a filha menor, que o ama de verdade, e ser expulso pelas duas mais velhas, que o adulam e maltratam, ele sai em uma jornada pela chuva e o frio. "Ele passa por um estágio de desrazão devido à grande decepção que enfrenta em idade avançada, o que é psiquiatricamente encontrado", salienta Aimara. Nesse estado, o rei é acompanhado por seu bobo da corte, considerado o mais importante de seu tipo na obra do dramaturgo.

Por um trecho extenso da peça, o rapaz faz um jogo de palavras na tentativa de despertar a consciência do rei, cujo grande erro é acreditar nas aparências. "O bobo tenta alertá-lo sobre suas filhas e depois sai com ele na trajetória de transformação, de rei em homem", diz Célia.

Na categoria de falsos loucos, pode ser contado Titus Andronicus, que atira flechas com bilhetes aos deuses para que aqueles que violentaram sua filha – que ele quer vingar – pensem que está louco.

Mas o grande exemplo é Hamlet, que conquista uma espécie de licença poética para falar a verdade ao se fazer de insano. Nesse estado, lança sua ironia contra o tio, assassino de seu pai, e contra quem mais lhe aparecer pela frente. E enuncia seus angustiados solilóquios ("Ser ou não ser..."). Ao que questionou Friedrich Nietzsche: "Compreende-se o Hamlet? Não a dúvida, a certeza é que enlouquece... Mas é preciso ser fundo, ser abismo, filósofo, para assim sentir... Todos nós tememos a verdade".

Toda essa riqueza da associação entre loucura e linguagem em Shakespeare foi levada adiante por diversos autores. "Todos o seguiram em alguma coisa", diz Aimara. Ela cita O Idiota, de Dostoievski, cujo protagonista é quase um "iluminado", e seu contraponto, Rogójin, que fica psicótico. Outro exemplo é o romance As Vinhas da Ira, do norte-americano John Steinbeck, em que Mulley Graves enlouquece em sua solidão.

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