São Paulo Freqüentador assíduo do apartamento do embaixador Lauro Moreira, no Rio da década de 1960, o poeta Manuel Bandeira acompanhava curioso as leituras de poemas que o diplomata fazia em voz alta para não perder o contato com o teatro amador, do qual participara como ator e diretor, Moreira gravava suas interpretações em um gravador de rolo. "Uma noite, creio que em meados de 1967, após um dos jantares íntimos em minha casa, Bandeira me disse que gostaria também de gravar uns poemas seus, argumentando que os lia muito bem", relembra o embaixador que, depois de manter tal precioso material, lança o CD Manuel Bandeira: o Poeta em Botafogo.
São 26 poemas declamados por uma voz ligeiramente nasalada, com os S puxados, em um ritmo que busca a fala do cotidiano, marca dos versos modernistas de Bandeira. Poesia já clássica como "Vou-me Embora pra Pasárgada", "Última Canção do Beco" e "Louvação do Rio de Janeiro", declamada por ele. "Às vezes, a buzina de um carro lá embaixo na rua atravessava as paredes e a janelas de nosso estúdio improvisado e se misturava à voz do poeta declamador", conta Lauro Moreira, que acrescentou ainda ao CD sua própria leitura de outros 25 poemas. Por fim, para coroar o documento histórico, o embaixador convidou a pianista Belkiss Carneiro de Mendonça para apresentar, em meio aos versos, nove peças, algumas inéditas, de Camargo Guarnieri, também admirador de Bandeira.
No folheto que acompanha o disco, Moreira lembra que a escolha dos poemas foi aleatória: ele apanhou um livro da estante, ligou o gravador e o poeta lia o que bem entendia. "Às vezes, tropeçava em alguma passagem e me pedia para interromper, voltar atrás e reiniciar a gravação", disse. "E eu bobamente obedecia. Felizmente ainda cheguei a conservar um delicioso comentário seu numa pequena pausa entre os poemas Neologismo e José Cláudio."
Moreira trabalhava em seu primeiro posto diplomático, em Buenos Aires, em 1968, quando o poeta morreu. Com isso, a gravação acompanhou a mudança do embaixador por diversas cidades (Brasília, Genebra, Washington, Barcelona e Rabat) até que, em 2003, durante uma visita ao diretor da Rádio e Televisão do Marrocos, Moreira pediu uma análise do já antigo rolo de fita. Surpreso e emocionado, ele começou a ouvir a voz do amigo querido, trazendo as reminiscências de uma saudosa noite carioca.
"Foi quando surgiu o projeto de trabalhar na gravação e lançá-la como um documento histórico", comenta o embaixador.
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