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Heitor Villa-Lobos entre um grupo de crianças e jovens na inauguração do Conservatório Villa-Lobos, em 1957 | Fotos: Divulgação/Museu Villa-Lobos
Heitor Villa-Lobos entre um grupo de crianças e jovens na inauguração do Conservatório Villa-Lobos, em 1957| Foto: Fotos: Divulgação/Museu Villa-Lobos

Rio de Janeiro - Faça como eu, comece pelo avesso. No Arquivo Nacional, no Cam­­po de Santana, bem perto da Cen­­tral do Brasil, você embarca no Trenzinho Caipira, cinco vagões sem locomotiva que o levam a viajar pelo mundo de Villa-Lobos. Os vagões cenográficos não se mo­­vem, você é que se desloca ao longo deles, percorrendo cinco am­­bientes: Sertão, Paris, Brasil, Nova York e Amazônia, cada um com sua decoração típica. Olhando pelas janelas, você assiste a filmes em projeção contínua — loops de alguns minutos que mal terminam já recomeçam, uma serpente mordendo a própria cauda. São imagens em preto-e-branco de Paris e Nova York, Rio e São Paulo, dos anos 1920 a 1940, na Era da Metrópole, grafismos da Torre Eiffel e dos arranha-céus de Man­­hattan, que contrastam com a ru­­deza dos vaqueiros do sertão e dos índios da floresta em meio a suas danças e pajelanças.

O tema indígena roça com o antropofagismo da Semana de Arte Moderna de 1922, em que Villa foi o único compositor. Há cenas intimistas do maestro, também, em Paris, de robe de chambre bordô, falando em francês entre baforadas do inseparável cha­­ruto. Claro, essa profusão de fil­­mes se deve à curadoria do evento, a cargo do veterano cinéfilo Fa­­biano Canosa, em conjunção com a Clan Design, que trabalham no projeto há três anos e foram responsáveis pela recuperação e digitalização do acervo audiovisual do Museu Villa-Lobos.

De repente, no vagão da Ama­­zônia, as portas se abrem e você é convidado a se embrenhar pela Amazônia, que cerca esta parte do trem. Parece até uma instalação multissensorial de Hélio Oiticica: a mata cerrada, cabanas de seringueiros, borboletas e pássaros coloridos, pios, arrulhos e uivos de animais na noite da floresta — nada muito estranho para você, que pouco antes de entrar na exposição, no Campo de Santana, cruzou verdadeiros bandos de cotias, marrecos e pavões que criaram o seu habitat em meio à selva de concreto da Avenida Presidente Vargas.

Vida pessoalDo trem você sobe para a metade mais convencional da exposição, pela qual devia ter iniciado sua visita. Linha do tempo, painéis de­­monstrativos, estas coisas a que estamos acostumados. Eu diria: convencional, ma non troppo. Ali você entra em contato com os objetos pessoais do maestro, sua casaca de algodão virgem, a batuta e o taco de bilhar, o charuto mergulhado no cinzeiro – símbolos fálicos do Villa dúplice, o lúcido e o lúdico –, uma reprodução em escala real da casa dos Villa-Lobos no centro do Rio, uma infinidade de partituras, matérias de jornais e revistas, capas de discos, programas de concertos e até um módulo com título sugestivo, "As Mulheres do Villa", que na verdade se resumem à primeira, a pianista Lucília Guimarães (1913-1936), que o ajudou a levar sua música para as salas de concerto; e a secretária Arminda Neves d’Almeida, a Mindinha (1936-1959), que o acompanhou até o fim da vida e levou adiante seu legado musical. E, é claro, a soprano Bidu Sayão, intérprete magistral das "Bachianas Nº 5", que projetou a música de Villa nos palcos do mundo.

É o tipo de exposição que re­­quer outras visitas, tal sua riqueza de informação. Saindo para a Praça da República, ainda meio atordoado da viagem, me deparo com um casarão isolado na esquina da Avenida Presidente Vargas. Uma placa informa; "Desta casa, residência do Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, sahiu este ge­­neral para proclamar a Republica dos Estados Unidos do Brazil no dia 15 de novembro de 1889." Aquela mesma república louca que completa agora 120 anos e que preencheu 70 dos 72 anos de vida do grande músico – esta república instável com sua ciranda de presidentes, com um dos quais, o mais duradouro de todos, Getúlio Vargas (19 anos no poder), Villa-Lobos teve uma relação próxima e intensa.

Seduzido pelo convite para implantar uma educação musical no país e fazer o Brasil cantar, ele chegou a reger gigantescos corais orfeônicos, esforço culminado com o emblemático concerto no estádio de São Januário (que reuniu 40 mil crianças) e o desfile carnavalesco do Sôdade do Cordão, bloco criado pelo maestro, que arrastou multidões pelas ruas do centro do Rio de Janeiro. Esta exposição não podia ter título mais adequado: Viva Villa!

Serviço

Viva Villa!. Arquivo Nacional (Pça. da República, 173, Centro, Rio de Janeiro). De 12 de outubro de 2009 a 5 de janeiro de 2010.

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