Um comentário feito por Eddie Vedder resume boa parte da relação que sua banda, o Pearl Jam, estabeleceu com a fama. O músico conta que Ian MacKaye, do grupo punk Fugazi, lhe disse certa vez que pouco se importava com a preparação do repertório dos shows. "Mas eu me importo muito. E me odeio por isso", emenda Vedder. A fala está no conteúdo extra do documentário Pearl Jam Twenty, que acaba de ser lançado em DVD no Brasil. O filme, dirigido por Cameron Crowe, vencedor do Oscar pelo roteiro de Quase Famosos (2000), celebra com depoimentos inéditos e imagens históricas os 20 anos do Pearl Jam cuja turnê em comemoração ao aniversário passou por Curitiba no último dia 9.
Apesar de ter surgido meio ao acaso, sem grandes expectativas, o Pearl Jam foi alçado à condição de uma das maiores bandas de rock do planeta nos anos 1990, aparecendo na capa da revista Time e quebrando recordes com o álbum Vs. (1993) 1 milhão de cópias vendidas nos Estados Unidos apenas na semana de estreia. E foi o redemoinho do superestrelato que deixou Vedder e companhia desorientados. Ao mesmo tempo em que desejavam agradar ao público, que crescia vertiginosamente, sentiam-se incomodados com a pressão para fazer videoclipes, participar de um filme (Singles Vida de Solteiro, de 1992, também dirigido por Crowe), cercar-se de mais seguranças e conceder entrevistas para todo e qualquer veículo de cultura pop. Principalmente, preocupavam-se com a possibilidade de "trair" os fãs originais, que lhes deram apoio nos clubes de Seattle. E, mesmo após duas décadas de estrada, o vocalista mostra que continua dividido entre preparar um set list perfeito e tocar aquilo que der na telha. "Você tem que agradar o cara que está lá no fundo e que quer ouvir os hits", conclui Vedder, numa espécie de autoafirmação.
"Não!"
Em Twenty, a contradição que tanto incomodou os integrantes do Pearl Jam surge, em certa medida, parecida com aquela enfrentada por Kurt Cobain, do Nirvana. A própria rivalidade entre as duas bandas, alimentada e incentivada à época pela MTV, deixava Vedder desconfortável (ele era, afinal, um grande admirador do trabalho dos "concorrentes").
Cobain não conseguiu lidar com o sucesso e com a depressão crônica e estourou os miolos em 1994. Meses antes, Vedder, os guitarristas Stone Gossard e Mike McCready e o baixista Jeff Ament decidiram adotar a política do "não" para conter a avalanche gerada pela superexposição: não iriam lançar singles, não gravariam clipes, não optariam pelo formato CD para distribuir o seu futuro álbum (Vitalogy existiu apenas em vinil durante cerca de um mês) e não aceitariam os preços determinados pela Ticketmaster para os ingressos cobrados em seus shows (uma briga que resultou numa turnê "independente", sem o apoio da empresa, e cujas apresentações foram um fiasco de organização).
O preço de tantas negativas foi um semiesquecimento, uma perda de relevância durante um período, na virada do milênio, quando o Pearl Jam era visto apenas como um sobrevivente do movimento grunge, um retrato do então recente passado musical. Foi essa também a época em que a banda sofreu o maior baque de sua trajetória: em junho de 2000, nove fãs morreram pisoteados pela multidão que assistia à sua apresentação no festival de Roskilde, na Dinamarca. No filme, o grupo é enfático ao dizer que o evento mudou o estilo dos seus shows: saíram completamente de cena o descontrole, os mergulhos na plateia e o quebra-quebra que deixavam Vedder com hematomas e arranhões depois dos espetáculos, e começaram as performances mais contidas e de atitude menos punk.
Bateristas
Desde sua formação, o Pearl Jam já empregou cinco bateristas. É verdade que o atual portador das baquetas, o ex-Soundgarden Matt Cameron, está na banda há mais de 12 anos, mas a alta rotatividade no posto nunca foi muito bem explicada pelos demais integrantes. E parece que eles querem que o assunto continue debaixo do tapete. A principal lacuna do documentário, que tem duas horas de duração, é dedicar exato 1 minuto e 45 segundos ao tema. Cabe a McCready explicar que a experiência com Dave Krusen, que participou das gravações de Ten (1991), "não funcionou"; que Matt Chamberlain não estava disposto a fazer turnês; que Dave Abbruzzese também não deu certo; que Jack Irons foi convidado a integrar a banda entre 1994 e 1998 só como uma espécie de agradecimento pelo fato de ter sido ele quem tinha apresentado Eddie Vedder a Jeff Ament... e tudo fica por isso mesmo. Nenhum dos ex-bateristas tem a oportunidade de dar a sua versão da história.
Por outro lado, um grande mérito do longa-metragem é ressaltar a importância de Stone Gossard e Jeff Ament os verdadeiros fundadores do Pearl Jam para a cena roqueira do noroeste dos EUA. O guitarrista e o baixista participaram de várias bandas da era pré-grunge nos anos 1980. Ambos integraram o Mother Love Bone, que, junto com o Soundgarden, era depositário das maiores esperanças de estrelato global para a turma de Seattle. O sonho foi interrompido pela morte por overdose do vocalista Andy Wood, em 1990. Meses depois, quando Gossard e Ament recrutaram Vedder e mudaram o nome do grupo, a profecia se realizou. GGG
Serviço
Pearl Jam Twenty (Estados Unidos, 2011). Direção de Cameron Crowe. Monkeywrench/Sony Music. Documentário. Preço médio: R$ 38,70 (DVD). Classificação indicativa: 12 anos.
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