No caminho certo
Malvino Salvador não corresponde às expectativas mais apressadas que se possa criar a partir de sua imagem. A trajetória do ator surpreende. Há quase uma década, ele se mudou de Manaus para São Paulo com o objetivo de trabalhar como modelo. Foi buscar cursos livres e oficinas que o ajudassem a encarar a câmera em comerciais. Sua única experiência sobre o palco, até pouco tempo atrás, havia sido o musical Blue Jeans.
Durante os anos em que viveu na capital paulista, o moço dedicou tempo a ler, ver peças e filmes que foram fundamentais para sua formação. Passar no teste para o elenco da novela Cabocla deu uma virada em sua vida.
Malvino fez as malas rumo ao Rio de Janeiro e engatou um trabalho atrás do outro: foram seis novelas em seis anos, com destaque para a dobradinha cômica com Drica Moraes em Alma Gêmea e ao chucro Damião de A Favorita.
Já durante as gravações de Cabocla, o ator começou a folhear páginas e páginas procurando um texto teatral para levar ao palco. Levou um ano e meio nessa busca, embrenhado entre autores clássicos e contemporâneos consagrados como Sam Shepard, até perceber que não tirava Mente Mentira da cabeça há semanas. "Nunca tinha lido uma peça que me tocasse tanto", revela.
Escolhido o texto e o seu papel, Malvino foi atrás de um diretor, certo de quem queria: Paulo de Moraes, o comandante do grupo Armazém em montagens memoráveis como Toda Nudez Será Castigada e Pessoas Invisíveis. "Eu me identificava com a linguagem dele e sabia que era o que eu precisava para esse texto", diz o ator.
Foi também Malvino quem escolheu Fernanda Machado para ser sua parceira em cena. Haviam trabalhado juntos já em duas novelas, mas a decisão se deu diante da atuação dela na peça O Beijo no Asfalto. Quando recebeu o convite, a atriz questionou: "Mas quem vai dirigir?" Ao ouvir "Paulo de Moraes", topou com entusiasmo. Garota nascida em Maringá, no norte do estado, ela crescera acompanhando os espetáculos com os quais o Armazém movimentava a cidade de Londrina, antes de se transferir para a capital carioca.
"Malvino está no caminho certíssimo", diz Fernanda, admirada pelo colega ter demonstrado interesse em montar um texto "desafiador" quando fazia ainda a sua segunda novela e por ter cumprido a distância entre o projeto e a realização. "Para aprender, ele escolheu um dos mestres", opina. E completa: "Desde então, estou vendo-o totalmente empenhado nessa vontade de descobrir o teatro de verdade."
Jake, o personagem de Malvino Salvador na peça Mente Mentira, surge em cena desesperado por acreditar que matou a esposa. Seu amor se tornou possessividade e descambou para uma agressão violenta que, na verdade, a mandou para o hospital, em estado grave.
Dessa tragédia conjugal se precipita o drama familiar escrito em 1985 por um dos mais pungentes dramaturgos contemporâneos, o norte-americano Sam Shepard (ganhador do Pulitzer pela peça Criança Enterrada, de 1978). Mente Mentira, remontada este ano no circuito off-Broadway por Ethan Hawke (Antes do Pôr-do-Sol), também chega aos palcos brasileiros, por um projeto encampado pelo ator Malvino Salvador, que a apresenta no Guairão dias 16 (sexta) e 17 (sábado).
Ao redor de Malvino, há um conjunto de profissionais com muito mais experiência em teatro do que ele, aprendiz dos mais interessados na arte. A começar pelo diretor, Paulo de Moraes, que deixou temporariamente a companhia Armazém para se dedicar ao projeto. No elenco, Mallu Vale, José Carlos Machado e Fernanda Machado atriz revelada nos palcos curitibanos, mas que há quatro anos não encarava o dia-a-dia de um teatro, ocupada com viagens de divulgação do filme Tropa de Elite.
Destruída
Fernanda interpreta a esposa espancada, nesta que é a primeira peça do dramaturgo a tratar do feminino. "Shepard propõe um novo homem, mais sensível e delicado, que não fique só vendo a mulher como submissa. Ele discute muito essas relações, para repensar o macho", diz a atriz.
Sua personagem, Beth, começa destruída e sem identidade, com sequelas neurológicas e dificuldades de locomoção. "Durante a peça, ela vai tentando montar o quebra-cabeças com os cacos que sobraram. A impressão que dá é que sobrou só a essência", revela Fernanda. Malvino completa: "Ela fala tudo o que vem do inconsciente, frases desconexas que são incrivelmente verdadeiras e com um sentido absurdo."
Para retratar a recuperação e os ressentimentos que se seguem ao incidente, o diretor Paulo de Moraes propôs escapar do realismo. Assim, em vez de aparecer atada a uma cama de hospital, Beth já surge em meio a uma ação corporal alucinada. "Shepard quebra o realismo de maneira sutil. O Paulo de Moraes foi fundo nessa história", compara Fernanda. "Quando eu ficava preocupada em estar me mexendo demais, ele dizia: Não é cinema, não fique presa nessa cama. É teatro, vamos nos libertar".
A partir do retorno de Jake para seu núcleo familiar e de Beth para os cuidados da sua própria família, Mente Mentira passa a destrinchar os sentimentos e as relações que unem e separam pessoas ligadas por relações de sangue. "É completamente universal justamente por isso. São personagens arquetipicamente identificáveis em qualquer família grande", diz Malvino, responsável pela escolha do texto.
O ator se encantou muito por conta da catarse que apeça é capaz de provocar, apelando tanto ao drama quanto à comédia ao revelar o que aqueles seres humanos escondem sob suas máscaras e uma tendência familiar para, por um lado, proteger, e por outro, destruir.
Serviço: Mente Mentira. Guairão (Pça. Santos Andrade, s/n.º), (41) 3315-0979. Texto de Sam Shepard. Direção de Paulo de Moraes. Com Malvino Salvador, Fernanda Machado e José Carlos Machado. Dias 16 e 17, às 21h. Plateia: R$ 80 e R$ 40 (meia). 1º balcão: R$ 60 e R$ 30 (meia). 2º balcão: R$ 40 e R $20 (meia). Portadores do cartão do Teatro Guaira têm 10% de desconto; assinantes da Gazeta do Povo têm 50% de desconto e clientes Porto Seguro e Renner têm 20% de desconto, válidos na compra de até dois bilhetes por pessoa. Ingressos adquiridos pelo call-center Disk-Ingressos têm taxa de R$4. Classificação indicativa: 16 anos.
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