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"Profissional da cultura" assumido, Rodrigo Barros, 42 anos, tem sempre um projeto novo na manga. Do contrário, não ganha a vida. Por essas e outras, ataca de músico, produtor, compositor, radialista, autor de trilha sonora. Mais conhecido como vocalista das bandas Beijo AA Força e Maxixe Machine, Barros é um dos responsáveis pela iniciativa mais comentada da temporada no meio musical curitibano: A Grande Garagem Que Grava.

Misto de auditório e estúdio, o espaço recebeu, ao longo do ano, 16 bandas, que tocaram ao vivo e registraram seus shows em CD. Tudo com o apoio da Fundação Cultural de Curitiba. Mas o suporte governamental acabou, e agora os "garageiros" cobram por seus serviços enquanto procuram por um novo patrocínio. A relação dos artistas com o dinheiro público é justamente um dos assuntos da entrevista abaixo, que ainda passar por temas como música independente, reserva de mercado e a tão falada autofagia cultural curitibana.

A Grande Garagem Que Grava, no fundo, é uma idéia relativamente simples. Por que foi tão festejada e comentada ao longo do ano?É a idéia mais simples de todas as idéias. Geralmente, o cara quer pagar pouco e resolve gravar ao vivo no estúdio. Só que fica parecendo som de plástico, os caras ficam tocando entre eles, parece ensaio. Não tem a pressão que existe aqui, de ter 30, 50 pessoas olhando para você, sentadas. Com platéia, você sente a pressão pessoal, artística mesmo, de fazer um show mais legal. O público, por menor que seja, sempre é um fator diferencial na performance. Mas, na verdade, não está tão barato gravar como antes. E a lei de incentivo também não estava funcionando. Estava todo mundo parado, do ponto de vista de produto cultural. Poucas bandas estavam lançando discos este ano. Então foi muito fácil pegar bandas muito boas e levá-las para gravar na garagem.

A Garagem não é um espaço aberto para qualquer banda, vocês fazem uma espécie de "curadoria" para selecionar os artistas que se apresentam e gravam no auditório. Houve quem criticou essa postura, alegando que um projeto apoiado pelo município deveria ser mais democrático.

Não tem democracia em cultura. Isso é uma idiotice básica dos bolcheviques. Existe mérito em cultura, tem gente melhor do que a outra fazendo arte. É importante escolher quem é mais legal. O que deve existir são mais casas desse tipo, para caber as outras turmas da cidade. Selecionamos 16 bandas em um universo de 200. Claro que vão dizer que a gente não abriu para todo mundo. Fizemos o possível para ter uma banda de MPB, outra de eletrônica... A idéia era fazer um painel do que rola na cidade. Eu nunca acreditei nessa idéia de que dinheiro público tem de ser democratizado. Existe uma oligarquia em cultura. Ezra Pound está certo, não tem essa. O bom deve ser privilegiado. Acredito que o dinheiro da lei de incentivo deve contemplar todo mundo, desde o primeiro artista até o cara que está mais à frente dentro do mercado cultural. Só que é preciso levar em conta o mérito, porque tem gente que apresenta qualquer coisa, e é muito pouco dinheiro para ser jogado fora com artistas que não têm o que dizer.

Você falou em mercado cultural. Existe mesmo isso em Curitiba?Quando se fala em mercado, pressupõe-se que haja consumo, demanda. O engraçado é que o consumo desse mercado cultural ainda está limitado aos próprios produtores, pessoas de outras áreas artísticas, jornalistas. O grande público não conhece nada. Não vai ver as peças bacanas, os shows legais. Vê apenas o que passa na frente.

Qual seria a saída para aproximar os artistas locais do público médio?O problema é que o dinheiro destinado à produção não basta. É preciso dar um start para esse produto vender. Não basta gerar o produto cultural, é importante ter dinheiro para divulgar e motivar a venda desse produto. As leis de incentivo não contemplam as fases que vêm depois da produção. A pior situação é você terminar o projeto e não ter dinheiro para divulgá-lo em outros lugares, para fazer mais cópias. Mandar 150 discos para a imprensa nacional é caríssimo. Mas não acho que falte apenas mais dinheiro. Falta um planejamento de pós-produção.

Por outro lado, há artistas que, após produzirem seus projetos por meio da lei, não se preocupam em sequer comunicar o lançamento. Se o dinheiro é público, o mínimo a fazer não seria prestar contas à comunidade?Na verdade, falta ainda em Curitiba a figura do produtor, que cuidaria dessa parte. Até compreendo a má produção dos artistas, eles não são formados para isso. Eu demorei anos para aprender a produzir. O artista tem de tocar na banda, fazer cartaz, levar o público, ligar para a imprensa... É muita coisa. Falta o agenciador, o vendedor, o cara que ganha dinheiro com o artista. No Rio Grande do Sul, isso existe há mais de 20 anos.

O exemplo do Rio Grande Sul é sempre citado pelos artistas curitibanos. Por que ninguém aqui o segue?Existem dois tipos de saída em Curitiba. As pessoas ou vão para o eixo Rio – São Paulo, ou continuam aqui querendo que exista um mercado. Como não existe mercado, você só tem outros dois lugares no Brasil que servem de exemplo: Rio Grande do Sul e Bahia. Eles souberam criar um mercado regional. E eu acho que os catarinenses, imitando o modelo gaúcho, vão criar o seu mercado. As cidades pequenas deles são muito mais industrializadas que as do Paraná, então é um estado que tem uma energia cultural mais centrada. Aqui, existe Curitiba, Londrina e, no resto, você não sabe o que acontece. Mas o problema é que não há meio termo no mercado cultural brasileiro. Ou você toca num clube de jazz, ou no programa da Xuxa. Até entre as casas noturnas existe essa separação. Só existem casas muito pequenas ou muito grandes. Não há lugares médios, para 500 pessoas.

Quando a música independente, produzida fora do esquema das grandes gravadoras, começou a tomar vulto no Brasil, passou-se a defendê-la como uma bandeira quase política. Hoje, esses artistas já representam mais de 90% de toda a produção musical do país. Qual o caminho agora?O mercado independente do Brasil está diversificado e procurando sobreviver. Como mudou a mídia, o CD é uma mídia morta, ninguém sabe como e onde vender as coisas. Ninguém sabe se o DVD vai dominar, se vai ser o celular... Esse hiato tecnológico gera uma falta de caminhos comerciais.

O que você achou do projeto de lei, não aprovado, que obrigaria as rádios locais a dedicar 20% de sua programação à produção paranaense?Achei um horror. Sempre pensei que, se a música do estado está precisando de percentual no rádio, é porque ela não presta. Isso não quer dizer que as rádios sejam abertas para a música daqui. Mas o caminho oposto, de obrigar a tocar por lei, é muito pior. Se eu fosse dono de rádio e a lei tivesse sido aprovada, iria mandar tocar as músicas daqui entre quatro e cinco da manhã. Os artistas têm de aprender que, se quiserem tocar no rádio, devem fazer acontecer. Encher o saco das rádios, das gravadoras... Deve haver outro tipo de pressão que não seja a obrigatoriedade do Estado. O Estado já trabalha mal nas outras áreas, ainda vai ter mais essa para se preocupar?

Um dos grandes "traumas" da cena musical curitibana, em especial do segmento pop/rock, é o fato de nenhum artista local ter estourado nacionalmente. Por que isso continua sendo um problema? Ainda mais agora, com o enxugamento do mercado, em que é raro uma banda de qualquer lugar fazer sucesso nacional.Qual banda pop Curitiba gostaria de ter exportado para o resto do país?O Senhor Banana? Esse é o problema. As bandas boas de Curitiba são muito doidas para tocar na Xuxa. O que o Wandula vai fazer no Faustão? O que Os Catalépticos vão fazer tocando no Gugu? Entrar no mercado nacional é tocar no Luciano Huck com o Jota Quest. Nesse mercadão, as bandas precisam fazer esse tipo de música. E o pessoal daqui tem medo de fazer música fácil e ser criticado por isso, pois Curitiba é um lugar de gente muito reparadora, crítica. Mesmo uma banda local com um trabalho pop, como o Black Maria, é um bando de malucos que quer ficar tocando na praia. Os ortodoxos de Curitiba não cabem no mercadão, são muito entranhados no que fazem. Mas essa tendência da autofagia curitibana não é ruim. Ela é boa, porque faz a gente ter essas bandas estranhas. Nós somos esquisitos, falamos mal uns dos outros, tocamos apenas para 30 fanáticos... Ótimo, isso é um diferencial da cidade! Só falta a cidade aprender a vendê-lo.

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