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Vídeo | Reprodução Rede Globo
Vídeo| Foto: Reprodução Rede Globo

Há uma cena em A Flor do Meu Segredo (1995), subestimado filme do espanhol Pedro Almodóvar, na qual a escritora vivida por Marisa Paredes fala sobre seu novo romance. Ela descreve o enredo com seguinte forma: "Uma jovem mata seu pai depois que ele tenta estuprá-la. Então, a mãe da garota esconde o corpo do marido no freezer do restaurante de seu vizinho".

Qualquer semelhança com o argumento central de Volver, mais recente filme do diretor, realizado 11 anos mais tarde, não é mera coincidência. A tal mãe citada em A Flor do Meu Segredo ganha a carne e os ossos de Penélope Cruz, indicada ao Oscar deste ano por seu tocante desempenho no papel de Raimunda, intempestiva e voluptuosa mulher e mãe que protege a filha adolescente, assumindo um crime que não cometeu.

Adepto da tese de que nada se perde e tudo se transforma quando o assunto é arte, o cineasta espanhol adora revisitar temas presentes em sua já vasta filmografia. Por conta dessa e de outras possíveis constatações, a coleção Viva Pedro, que acaba de ser lançada nos Estados Unidos (US$ 60, valor médio no site amazon.com), é imperdível, obrigatória. Especialmente para quem quiser ter uma visão evolutiva e plural da cinematografia de Almodóvar. A caixa reúne oito dos longas-metragens (leia box) mais significativos do cineasta mais importante da Espanha desde Luís Buñuel.

Evolução

Assistindo aos filmes, é inevitável estabelecer ligações entre os temas e universos dramáticos abordados. Tomemos como exemplo dois dos títulos mais antigos incluídos na caixa: Matador (1986) e Lei do Desejo (1987). Tanto um como o outro trazem um então desconhecido Antonio Banderas em papéis muito semelhantes: jovens no limite da marginalidade, de sexualidade ambígua, envolvidos em triângulos amorosos que podem ter conseqüências trágicas. E Lei do Desejo, com uma trama complexa, que traz uma história "embutida" em outra, com direito a transsexuais, cartas reveladoras e dissimulação em último grau, também é uma espécie de embrião do que Almodóvar faria, 17 anos depois, no melodrama noir Má Educação, estrelado pelo ator mexicano Gael García Bernal.

Apesar do longo intervalo enre as duas obras, elas se interconectam e, de alguma forma, se complementam. Também integraria de alguma forma esse ciclo, formando uma quadrilogia involuntária, o excepcional Carne Trêmula (1997), um dos melhores filmes do diretor.

Viva Pedro permite a quem se interessa pelo trabalho do cineasta um panorama complexo e de certa forma evolutivo de sua obra, tanto do ponto de vista formal quanto dramático. Da década de 80, a coleção inclui a saborosa comédia Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e exemplo castiço do humor pós-fascista e da estética excessiva e multicolorida do diretor, que com este filme ganharam repercussão internacional. A atriz Carmen Maura, sua primeira musa, brilha numa farsa madrileña com toques folhetinescos, da qual também participam Banderas e Rosy de Palma, outra de suas estrelas-fetiche.

Consagração

Saltando no tempo, Viva Pedro oferece ao espectador os dois mais importantes dramas do diretor. Em Tudo sobre Minha Mãe (1999), filme que lhe deu o Oscar de melhor filme estrangeiro, Almodóvar chega ao ápice de uma determinada linha de longas sobre o universo feminino, iniciada já em seus primeiros trabalhos, como O Que Fiz para Merecer Isso (1984). A argentina Cecilia Roth brilha como uma mãe que se vê sem chão depois de perder o filho em um acidente, e tenta buscar consolo e um recomeço junto a outras mulheres, vividas por Marisa Paredes e Penélope Cruz, entre outras.

No bem mais sombrio e introspectivo Fale com Ela, Oscar de melhor roteiro original, o espanhol toma outro rumo. As personagens femininas, embora importantes, são propositalmente emudecidas, cedendo lugar a dois protagonistas masculinos, vividos por Javier Câmara e Mário Grandinetti, em uma comovente ode à amizade como forma de superação da perda.

É claro que Viva Pedro, que deve ser lançada em breve no Brasil, deixa de fora alguns títulos importantes, sobretudo Ata-Me (1990), com Banderas e Victoria Abril, estrela dos também ausentes De Salto Alto (1991) e Kika (1994).

Biografia

Embora lisonjeado com a iniciativa de ver boa parte de sua obra reunida em uma coleção do porte de Viva Pedro, Almodóvar preferiu não gravar depoimentos ou conceder entrevistas para inclusão nos extras. Segundo o diretor, os filmes falam por si mesmos.

Para melhor entendimento do universo do diretor, no entanto, saber um pouco de sua biografia é essencial, já que sua filmografia reflete – e muito – experiências vividas pelo cineasta desde a infância.

Almodóvar nasceu em Calzada de Calatrava, La Mancha, em 1951. Sua família emigrou para Extremadura quando ele tinha 8 anos e lá ele estudou em colégios religiosos, com os salesianos e os franciscanos. Esse período de sua vida é revisitado em Má Educação, que tem como um de seus temas mais nevrálgicos e polêmicos os atos de pedofilia cometidos por religiosos no interior das instituições de ensino. Durante esse tempo, em Caceres, ele começou a ir ao cinema compulsivamente.

Aos 16 anos, Pedro mudou-se para Madri, sozinho, sem sua família e sem dinheiro, mas com um projeto bastante concreto: fazer filmes. A escola oficial de cinema havia sido fechada pelo então ditador da Espanha, o general Francisco Franco, e o garoto não teve opção a não ser aprender na prática o que precisava para atingir seu objetivo. Nos derradeiros anos da década de 60, apesar da ditadura ainda vigente, Madri era um efervescente centro emanador de cultura.

Para sobreviver, Almodóvar não fez corpo mole. Fez quebra-galhos de toda ordem, até conseguir um emprego "sério" na Companhia Telefônica Nacional, que lhe permitiu comprar sua primeira câmara Super-8. Na estatal, trabalhou por 12 anos como assistente admnistrativo. Nesse período, teve o que costuma chamar de "sua verdadeira educação".

Durante as manhãs, o futuro diretor convivia com uma classe social que um rapaz da classe trabalhadora e sem contatos, sozinho na capital do país, não teria conhecido em outras circunstâncias: a classe média espanhola do início da era do consumismo. Pôde ver de perto seus dramas e misérias. Dessa fonte tirou muitas das histórias que se transformariam nos argumentos de seus melhores filmes.

À tarde, nas horas livres, Almodóvar fez teatro, escreveu pequenas histórias para revistas e realizou curtas-metragens com sua Super-8. Simultaneamente, a Espanha também passava por mutações. Quando seu primeiro longa, Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas del Montón, chega aos cinemas em 1980, o país também assiste a outra estréia: a democracia entra em cartaz. Com Almodóvar em cena, o cinema espanhol também jamais seria o mesmo.

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