"Perguntas como se deve agir para que tal jornal agrade nosso século e a posteridade. Responderei com duas palavras: Sê imparcial." O trecho citado está logo no início de Conselhos a um Jornalista (Martins Fontes, 170 págs., R$ 28,50). Escrito por Voltaire em 1737, o curto ensaio que dá título ao volume recém-lançado no Brasil tenta ensinar os homens de imprensa da época. Especificamente para a imprensa destinada à cultura, dá dicas de como falar sobre história, poesia, teatro e outras áreas do conhecimento.
A imprensa de hoje certamente não é a mesma da época de Voltaire. Na época, os jornais e as gazetas tinham muito mais de ideologia e muito menos de indústria do que hoje. Eram veículos que, de uma maneira ainda mais livre mas menos organizada , se dedicavam principalmente a tratar de livros, opiniões e disputas intelectuais. Portanto, é preciso filtrar bem os conselhos do sábio francês para ver o que se aplica hoje ainda a um jornal. Mas o certo é que a abertura do texto traz uma das dicas mais importantes que se pode dar a um profissional de jornalismo e que com o tempo se sedimentaria como um dos princípios básicos da profissão: a imparcialidade.
Voltaire, como um homem de idéias que era, via desde sempre que era preciso que o jornalista não deixasse seus gostos e preconceitos interferirem demais no trabalho que ele faz. O que importa é o fato descrito ou o romance: menos a notícia ou o comentário, mesmo numa imprensa de opinião como era a da época.
O livro traduzido e publicado pela Martins Fontes traz o texto sobre jornalismo, que é curto, e ainda uma coletânea de artigos de Voltaire produzida para duas publicações de seu tempo: o Jornal de Política e de Literatura e a Gazeta Literária da Europa. Há artigos principalmente sobre literatura e filosofia, falando de autores como David Hume e Lawrence Sterne, mas também sobre clássicos, como El Cid.
O volume tem dois focos básicos. O primeiro é para os jornalistas de hoje que tenham interesse em saber o que um dos magos do conhecimento humano tinha a dizer sobre a sua profissão justamente no momento de seu desenvolvimento inicial. O segundo, para todo e qualquer interessado pela fascinante obra de Voltaire. É impressionante como nos artigos selecionados, assim como em toda a sua obra, ele consegue ser direto e profundo ao mesmo tempo.
Uma citação reproduzida no prefácio do volume brasileiro lembra que Voltaire era um dos mais prolíficos autores da história. "Há em Ferney (onde vivia Voltaire) filósofos que traduzem Newton", diz o imperador Frederico II. "Há Corneilles, Catulos, Tucídides, Cíceros, e a obra dessa academia se publica sob o nome de Voltaire", completa.
É realmente impressionante pensar que toda a obra produzida por Voltaire de romances a peças de teatro, de ensaios a artigos tenha sido escrita por um único homem. Vinte homens talentosos talvez tivessem dificuldade em produzir a mesma quantidade de informação com o estilo e a originalidade que ele teve sozinho. Para quem reconhece isso e quer saber mais sobre o que pensava do mundo esse escritor fantástico, Conselhos a um Jornalista é mais um livro a ser lido.
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