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Rodrigo Madeira, autor de Pássaro Ruim, é um dos mais significantes poetas da nova geração | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Rodrigo Madeira, autor de Pássaro Ruim, é um dos mais significantes poetas da nova geração| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

"Cena Muda"

eu que era único

e indivisível

agora criei tentáculos

ávidos

que não controlo

roubam vermelhos vivos

que nem sei para que servem

desejam tanto, usurpam

violam cantos sagrados

espalham cinzas

riem

esbofeteiam

Luci Collin (1964), poeta, tradutora e professora de língua inglesa.

"Se esses versos resistirem à minha tentação"

joguei fora tudo que escrevi três vezes

e trinta e três vezes reescrevi

sempre o mesmo sobre o mesmo há meses

desejo de estraçalhar o que escrevi

Marcos Prado (Curitiba, 1961 – 1996), poeta e compositor.

Trecho de "Os que vão viver, tu sacaneia"

Deus, eu procurei uma clínica psiquiátrica

e minha irmã estava na recepção

me sorrindo e pedindo dados pessoais

Mário Bortolotto (Londrina, 1962), dramaturgo, ator e diretor de teatro, vocalista e compositor.

"Esquife"

Vês este esquife lirial?... Descansa

Aí fantasiado, o derradeiro sonho:

De um puro olhar, dulcíssimio e tristonho

Meigo e Pungente raio de esperança.

Foi esse olhar o idílio mais risonho

De minha vida amenidosa e mansa...

E quantas vezes beije a loura trança

Dessa que eu via em derradeiro sonho

Ela, porém fugiu... Magoa secreta

Veio minar a vida do poeta, dando-lhe o haxixe das sensações profanas.

Regressa agora... É tarde, noiva amada!

Minha lira repousa, amortalhada

No éreo sudário das paixões humanas

Lembra o tempo em que você sentia

e sentir

era a forma mais sábia de saber

E você nem sabia?

Alice Ruiz (1946), poeta e compositora.

10 tempos

A história literária paranaense funde-se entre jornais, revistas e escritores:

1853 – Emancipação Política do Paraná.

1895 – Dario Velozzo cria O Cénaculo, a primeira revista literária do estado.

1911 – Emiliano Perneta é coroado o "Príncipe dos Poetas Paranaenses" em uma cerimônia no Passeio Público.

1918 – Emílio de Meneses é eleito para a Academia Brasileira de Letras, mas falece antes de tomar posse.

1946 – É lançada a revista literária Joaquim, editada pelo escritor Dalton Trevisan.

1965 - Dalton Trevisan lança O Vampiro de Curitiba.

1975 – Lançamento de Catatau, de Paulo Leminski.

1987 – Fundação de Nicolau.

2000 – Criação do periódico literário Rascunho, editado por Rogério Pereira.

2013 – Lançamento da coletânea Vinagre, com diversos autores paranaenses, repercutindo as manifestações de junho.

Serviço

101 Poetas Paranaenses V.1

(1844-1959). Org. Ademir Demarchi. 404 págs. Biblioteca Pública do Paraná. Distribuição dirigida.

101 Poetas Paranaenses V.2

(1959-1993). Org. Ademir Demarchi. 400 págs. Biblioteca Pública do Paraná. Distribuição dirigida.

Desde que Júlia da Costa cometeu suas quadras românticas na metade do século 19, não havia antologias poéticas dignas de seus nomes, que compilassem a fecunda produção lírica no estado neste período.

Com organização do escritor, editor e doutor em literatura brasileira, o maringaense Ademir Demarchi, o livro contempla desde os primeiros passos do "príncipe" Emiliano Perneta – e o movimento simbolista encabeçado por Dario Vellozo, que inaugurou a tradição de revistas e suplementos literários fundamentais para a consolidação da escrita poética por aqui.

Os dois livros abrangem um recorte amplo que inclui o apuro estético de Dalton Trevisan, as experimentações de Sérgio Rubens Sosséla ou Jaques Brand, a poesia pop de Paulo Leminski e Solda, os textos políticos de nomes como Manuel de Andrade e Walmor Marcelino, os poemas punk da geração de Marcos Prado, a geração de autores londrineses como Rodrigo Garcia Lopes e Marcos Losnak até a novíssima produção de autores como Rodrigo Madeira e Marcelo Sandmann.

Segundo Demarchi, a importância histórica destas compilações está em afirmar um conjunto de escritores e linguagens para que sejam avaliados e reavaliados. "A importância simbólica está no gesto de tirar do arquivo e chamar a atenção, tanto os esquecidos quanto os novíssimos, que ninguém conhece, e buscar a provocação de encontrar neles o que há de potente e que ainda possa fazer sentido para o contemporâneo", afirma.

Demarchi observa que, antes destas antologias, o que havia eram "estudos pontuais sobre os simbolistas e antologias de grupos de amigos, em que predominavam a camaradagem sem crítica, ou petardos feitos no calor da hora que serviram mais para festejar um momento que para pensar a escrita".

Algo que se explica pelo fato de a historicização da literatura no Paraná ser muito fragmentada e dispersa, o que aumenta a importância destas antologias "na medida em que reúne num só lugar poetas de vozes e lugares tão diferentes." "Estamos provocando uma eletricidade interessante ao promover o convívio de tantas vozes díspares, de modo a provocar novas sensações nos leitores," diz o curador.

Os livros, das primeiras pesquisas à impressão, levaram um ano e meio para serem gestados. O número "alegórico" de 101 autores foi escolhido para que fosse possível o mapeamento amplo de modo a possibilitar aproximações, atravessamentos e contrastes entre os autores e as linguagens.

"As dificuldades na seleção se deu no acesso a livros de pequena tiragem. Também havia autores antigos que não tinham estudos ou resgates decentes de sua obra; e novos, que nem livro têm, mas apenas textos dispersos na internet, facilitados quando passaram por pré-seleções de revistas", disse Demarchi.

Cânone?

Os dois volumes, cada um com tiragem de 1,5 mil exemplares, não estão à venda. A exemplo da antologia de contos paranaenses publicada em julho pela editora ligada à Biblioteca Pública do Paraná , os livros serão distribuídos gratuitamente a todas as bibliotecas públicas do Paraná e instituições culturais do país. No volume 1 estão 50 poetas nascidos entre a primeira metade do século 19 e a segunda metade do século 20. Já o volume dois traz 51 autores nascidos entre 1959 e 1993.

A curadoria de Demarchi tem o mérito de fugir das escolhas fáceis de alguns nomes fundamentais, já instituídos nas leituras feitas por críticos e nas republicações de suas obras. "Preferi uma forma mais ampla, rizomática, de lidar com o cenário mais amplo."

Ao elastecer a presença de escritores de várias dimensões, os livros se ocupam menos em afirmar uma cânone de autores indiscutíveis e mais em colocar em circulação ampla a produção quase obscura da literatura do Estado. "Há escritores – e escritoras – supervalorizados por certo sentimentalismo paranista ‘familiar’, próprio do paranaense, que nada tem a ver com o sentido crítico e subversivo que é próprio da arte. Mas isso é questão irrelevante, pois se faço aposta com minha escrita na bolsa de valores da crítica e da subversão, prefiro lidar com o plural", resume o curador.

Literatura paranaense em revista

Daniel Zanella, especial para a Gazeta do Povo

Se observarmos a literatura paranaense em seus períodos de maior efervescência, dos simbolistas aos leminskatos, desembocando na extensa e heterogênea produção contemporânea, perceberemos um fio-condutor evidente e, de certa forma, fundamental para o estabelecimento e entendimento dos autores paranaenses: a força dos periódicos especializados em literatura.

Das revistas simbolistas que exaltavam o Paranismo, como a Azul, Club Curitibano, Cenáculo e Almanach Paranaense – impressos que realmente já merecem edições compiladas para um entendimento mais amplo de nossas origens – ao iconoclasta Joaquim, editado por um jovem Dalton Trevisan, vemos uma espécie de cadeia alimentar, em que jornais fortes alavancaram, ratificaram e se nutriram de seus escritores em voga. Isso permitiu, como retorno simbiótico, atingir públicos mais variados. Em diversos casos, nacionais.

Se as revistas do fim do século 19 trouxeram nomes como Emiliano Perneta e Silveira Neto, o caso da Joaquim é mais emblemático por tudo o que ela trouxe de ruptura. Sob os signos da rescisão com o bairrismo quase ancestral da capital, que, à época, tinha pouco mais de 120 mil habitantes, a revista colocou o Paraná no mapa das discussões literárias do Brasil dos anos 1940. Inovador, teve 21 edições, circulou entre abril de 1946 e dezembro de 1948, repaginou o conceito de diagramação e alçou definitivamente o nome de Dalton Trevisan ao cenário (e imaginário) literário.

Também pode ser parcialmente vinculado à Joaquim um espírito, hoje superado, relacionado à nossa antropofagia cultural: a revista chegou arrasando com Emiliano Perneta e Alfredo Andersen, dois símbolos culturais de uma quase-província, ainda em construção de identidade. Dalton chamava Emiliano, por exemplo, de Poeta Perneta. (Ironia: a sede da revista ficava na Rua Emiliano Perneta, 476, no eixo central de Curitiba.)

Além de ter (auto) lançado Dalton, o periódico também revelou nomes como Wilson Martins e Poty Lazarotto. "A relação entre imprensa, crítica e escritores é fundante e fundamental no Paraná, que tem um histórico riquíssimo de criação de revistas e jornais literários, a ponto de estarmos contemporaneamente na vanguarda no país, liderando com um número expressivo de publicações em atividade", alega Ademir Demarchi, organizador da antologia 101 Poetas Paranaenses.

Em marcha

Este segundo momento, da Joaquim como síntese, também teve na revista Ideia, de José Paulo Paes, um importante espaço de publicação de autores. Dos anos 1950 aos anos 1980, surgem diversos periódicos, com destaque para os espaços dedicados à literatura e crítica nos diários. Mas é em 1987 que temos um novo periódico de segmento a repercutir nacionalmente: a revista Nicolau.

Por quase uma década, o jornal, editado por Wilson Bueno, deu espaço para numerosos escritores e poetas locais. Chegou a ter assombrosos 162,5 mil exemplares de tiragem e foi um corpo intelectual difícil de ser reproduzido: sob as asas do Estado, um impresso libertário, de grande potencial polemista, intenso.

Acerca do painel atual, o Paraná vê proliferar um de seus períodos de maior produção de periódicos, dos mais diferentes estilos. Do próprio Cândido, periódico da Biblioteca Pública do Paraná, ao Rascunho, o maior jornal literário do Brasil, vemos espaços amplos de publicação para autores novos, em busca de seu público, além de escritores empenhados na tradução de várias línguas e escolas, criando obras poéticas complexas e variadas.

"Trata-se de um cenário riquíssimo. O Paraná é o lugar onde mais há tradutores provocativos e criativos e onde mais há publicações literárias, como Coyote, Cândido, Rascunho, Helena, RelevO, Bólide, Arte & Letra, O Duque – só para ficar nas publicações impressas, que são as mais difíceis de fazer. E além disso, escritores premiadíssimos", completa Demarchi.

Nesse panorama, as relações entre impressos e escritores reafirmam o Paraná como um centro literário de linguagens distintas, com uma tradição estabelecida – embora ainda carente de estudos históricos mais disseminados – e capaz de servir como farol para o excesso de produção do mundo contemporâneo.

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