A Voz do Coração fez um estrondoso sucesso na França em 2004, levando cerca de 7,3 milhões de espectadores aos cinemas do país. Não à toa, acabou sendo indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, perdendo a estatueta para o espanhol Mar Adentro. O êxito da produção, entretanto, pode sinalizar algo perturbador. Na terra que legou ao mundo a nouvelle vague, movimento que revolucionou a sétima arte ao expandir suas possibilidades estéticas e narrativas, o gosto popular anda cada vez mais conservador. Ou, melhor dizendo, hollywoodiano, no pior sentido da expressão.

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Embora se desenrole na região central da França, nos duros anos que sucederam o fim da Segunda Guerra Mundial, A Voz do Coração é um filme calculado, em que todos os ingredientes são pesados com o objetivo de gerar empatia e emocionar o espectador. Não há ruído, estranhamento ou provocação.

Explicando: a trama conta história do músico e professor Clement Mathieu (Gérard Jugnot), que, na falta de ocupação melhor, aceita a posição de inspetor em um internato para meninos problemáticos. Comandada à mão de ferro pelo diretor, um sujeito detestável e arrogante chamado Rachin (François Bérleand), a instituição é uma espécie de depósito de delinqüentes, filhos da classe trabalhadora que, depois de causar problemas na socidade, lá são desovados. Ao invés de se recuperarem, apenas fermentam ainda mais seus sentimentos de revolta, graças à opressão cavalar a que são submetidos no dia-a-dia.

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Mathieu, um artista de coração solidário e idealista, percebe que pode ter a chave para abrir os corações da garotada confinada na escola. Forma um coral e pretende, por meio da música, resgatar os alunos do estado de marginalidade e negligência emocional em que se encontram. De quebra, descobre um grande talento vocal, o menino Pierre Morhange (Jean-Baptiste Maunier), cuja mãe, Violette (Marie Bunel), arrebata o coração do maestro.

Muito semelhante a Sociedade dos Poetas Mortos, do australiano Peter Weir, o filme defende a tese do poder redentor da arte e de como sua força pode incomodar regimes totalitários e truculentos. Pena que a forma encontrada pelo diretor, o ainda pouco conhecido Christophe Barratier, para desenvolver a temática seja tão previsível e até certo ponto manipuladora, tática usualmente identificada com o cinema norte-americano, que costuma nivelar o público por baixo. A julgar pelo sucesso de A Voz do Coração, no entanto, a tática deve ter funcionado.

Embora seja agradável e bem-realizado, especialmente graças à bela trilha sonora – a canção "Voir Ton Chemin" também foi indicada ao Oscar – , o filme de Barratier carece de contundência e de personagens mais complexos, permanecendo na superfície ao abordar um tema sempre relevante, mas que pode ser banalizado com facilidade graças ao seu apelo. GG