Fragmentos
Confira trechos do livro A Filosofia de Andy Warhol.
Consumo: "Comprar é muito mais americano que pensar e eu sou absolutamente americano. (...) Americanos não estão interessados em vender na verdade, eles preferem jogar fora a vender. O que eles realmente pensam é em comprar pessoas, dinheiro, países".
Beleza: "Beleza não tem nada a ver com sexo. Beleza tem a ver com beleza, e sexo tem a ver com sexo".
O livro já começa com uma conversa telefônica maluca entre Andy Warhol (1928-1987) e uma enigmática pessoa simplesmente chamada de B., a quem pede conselhos e faz confidências do tipo "minha grande ambição é comandar um show de televisão".
B. responde que é uma ambição chinfrim, que o rei da pop art (ou "rainha") deveria pensar alto, algo assim como ser presidente dos EUA e receber seus convidados cada dia com uma peruca diferente.
Ia ser igualzinho como na Factory, estúdio de Warhol, mas "tudo à prova de bala", garante a voz do outro lado da linha menção ao atentado de Valerie Solanis em 1968, que o feriu com um tiro.
Quase seduzido pela idéia de ser presidente, Warhol prova que falava sério ao se definir como uma pessoa "profundamente superficial". Duvida? Então, o livro A Filosofia de Andy Warhol talvez desfaça suas dúvidas a respeito da principal figura do movimento de arte pop norte-americana, que teria completado 80 anos este ano, não fosse uma operação de vesícula há 21 anos.
O livro, best seller no original, estranhamente só agora ganha sua tradução brasileira. Publicado em 1975, seus verdadeiros autores são a secretária do pintor, Pat Hackett, e o ex-editor da revista Interview, Bob Colacello, que depois escreveria horrores sobre Warhol no livro Holy Terror (1990).
Colacello o define como "um fofoqueiro milionário, espertíssimo nos negócios, que fingia não estar nem aí com o que se passava ao redor". A secretária Pat Hackett, antes dele, publicou Diários de Andy Warhol (L&PM). Neles, antecipou a observação de Colacello sobre a vocação mundana do ex-patrão. Nem precisava. Dois filmes produzidos por Andy Warhol e agora distribuídos em DVD pelo selo Magnus Opus A Revolta das Mulheres (1971) e Flesh for Frankenstein (1973), ambos dirigidos por Paul Morrissey comprovam seu gosto pelo bizarro e sua inclinação para o escândalo.
Andy Warhol já era um grande empresário quando o livro A Filosofia de Andy Warhol foi publicado nos EUA, em 1975. Um ano antes assinara um contrato com o editor Harcourt Brace Jovanovich para publicar esse e mais outro título, uma biografia da atriz Paulette Goddard, Her, que não concluiu.
Para se certificar que seus aforismos filosóficos teriam boa acolhida junto à mídia, Warhol fez um tour por nove cidades americanas, seguido por uma temporada européia destinada a promover o livro na Itália, França e Inglaterra. Tudo para atestar que a obra, sim, era sua, e não de sua secretária Pat Hackett, do ex-editor da Interview, Bob Colacello, ou da amiga Brigid Berlin, com a qual gravou a maior parte dos depoimentos do livro, uma mistura de memorialismo, fofocas e guia de auto-ajuda para corações desesperados. Warhol, um deprimido, resistia à entropia fazendo do livro um compêndio de citações irônicas e freqüentemente depreciativas sobre o amor, sexo, trabalho, morte, fama e economia.
O fato de envolver tanta gente em suas produções não era sinônimo de generosidade, mas de avareza. Colacello conta, em Holy Terror, que, ao concluir cada capítulo, entregava-o a Warhol, que imediatamente telefonava para Brigid Berlin (a B. do livro), gravando sua reação e enviando a fita para que a secretária Pat Hacklett a transcrevesse e desse o retoque final.
Assim, ninguém poderia reclamar direitos autorais. Paranóico, desconfiava de todos. Ele mesmo trata de explicar a origem de sua esquizofrenia logo no primeiro capítulo. No fim dos anos 1950, sentiu que atraía para si os problemas das pessoas que conhecia e procurou ajuda psiquiátrica. Tivera três colapsos nervosos quando criança e os ataques conhecidos como "dança-de-são vito" sempre começavam nas férias de verão, quando não tinha nada a fazer além de ouvir rádio e deitar na cama com sua boneca.
Assim, manter-se ocupado foi a fórmula que encontrou para resistir à entropia, forjando sua estabilidade pessoal em cima de uma estratégia: a de provocar atrito entre seus colaboradores. O relato biográfico mostra que Warhol também se sentiu usado pelos outros desde os 18 anos, quando dividiu com 17 pessoas um apartamento de subsolo.
* * * * * *
Serviço
A Filosofia de Andy Warhol, de Pat Hackett e Bob Colacello. Editora Cobogó, 272 págs., R$ 43.