A coreógrafa Carmen Jorge assumiu para si um caminho definido na dança: a investigação das possibilidades de criação trazidas pela presença da tecnologia sobre o palco. Em We Cage, o espetáculo da PIP Pesquisa em Dança que estreou esta semana no Teatro Cleon Jacques, as bailarinas Mariana Batista, Viviane Mortean e Isabela Schwab interagem com três softwares, MAX MSP, Isadora e Live.
Os sensores espalhados sobre o chão como tapetes ou instalados no corpo de uma delas reagem aos movimentos propostos construindo uma rede de significados randômica. O equipamento localizado atrás do joelho de Isabela, por exemplo, aciona um sorteio aleatório de timbres, intensidade e notas musicais que define o som que se ouve em cena.
Imagens são projetadas em três superfícies. Em uma, surgem apenas texturas. Outra revela estados de corpo alterados da bailarina, produzidos pelo software Isadora. Na terceira, vê-se a imagem em tempo real de detalhes da coreografia. Em consequência disso, a materialidade do corpo presente coexiste com a imaterialidade da imagem digitalizada. "Não é o desencarnado nem separar o corpo e a mente, mas apresentar esses estados diferentes", explica Carmen.
O espetáculo se inspira nas questões que moviam John Cage e Merce Cunningham, precursores do casamento entre a dança e a tecnologia com o espetáculo Variations V, de 1965. "John Cage chamava isso de poliatenção: não é um roteiro com começo, meio e fim, mastigadinho, que vá induzir o público a entender. Estavam interessados em desenvolver a percepção, mandando vários estímulos para o público que vai trabalhar junto", diz Carmen Jorge.
A ideia de "contrução de um ambiente vivo cênico em tempo real" é o que permanece daquela montagem pioneira, em que antenas e cabos eram sensíveis às ações dos bailarinos, alterando as condições de luz e som. Já as variáveis de movimento, equipamento e resultado são infinitas e é sobre elas que se concentra a pesquisa que vem ocupando Carmen Jorge desde 2006, e que ganhou forma naquele ano com o espetáculo Barraco.
Para a coreógrafa, aliás, é o mesmo processo que continua em vigor desde então. Acontece de tempos em tempos, no meio do seu estudo, de a pesquisa tomar uma configuração mais estável e ser levada ao palco na forma de espetáculo. "Isso serve para experimentar ou resolver alguns conceitos temporários", diz.
Desta vez, Carmen foi motivada pela vontade de trabalhar com bailarinos que se assumissem como tais (sem pretender cruzar as fronteiras de outras artes como fazem os que se autodefinem performers) as questões mais específicas de espaço, o caminho do movimento e a linguagem do bailarino.
O papel do espectador em uma proposta de obra processual como We Cage, para Carmen Jorge, é se colocar diante da experiência de acordo com o desenvolvimento perceptivo que construiu até aquele momento de vida, seu modo de ver o mundo e lidar com as coisas, e deixar que o espetáculo provoque nele tanto sentimentos quanto a alienação. "Se não estiver preparado ou a fim, (o espectador) pode não estabelecer conexão com o que vê", diz a coreógrafa. Na estreia, terça-feira à noite, a diretora da PIP sentiu receptividade do público que enchia mais de meia plateia.
Serviço:
We Cage. Teatro Cleon Jacques (R. Mateus Leme, 4.777 Parque São Lourenço), (41) 3313-7190. Direção e coreografia Carmen Jorge. Com Mariana Baptista, Viviane Mortean e Isabela Schwab. Terça a dom. às 20 horas, Até 14 de março. Sessões extras: Dias 13 e 14 de março, às 16 horas. Ingresso é uma lata de leite em pó.