Quando Woody Allen, um dos grandes gênios cômicos do cinema moderno, é engraçado, ele coloca-se lado a lado a grandes mestres que renovaram e subverteram o gênero, como Billy Wilder (de Quanto Mais Quente Melhor) e Howard Hawks (Jejum de Amor). Mas quando erra a mão o que tem acontecido com freqüência preocupante nos últimos anos , sai de baixo. O humor afiado e sofisticado, transbordante em obras primas como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977), Manhattan (1978) ou Zelig (1983), não tem dado o ar de toda sua graça. Ou alguém vai querer dizer que os frustrantes, senão patéticos, Trapaçeiros (1999) e O Escorpião de Jade (2001) devem figurar em qualquer lista das melhores comédias do cineasta nova-iorquino.
Portanto, faz bastante sentido que o filme mais relevante de Woody Allen em muitos anos seja um melodrama. O diretor, que ainda é figura constante no elenco dos seus filmes, felizmente se deixou de fora em Ponto Final Match Point. Não havia na trama um personagem que pudesse, de alguma forma, servir de alter ego para ele.
Tomando como base o dilema ético presente no clássico russo Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, Allen transporta seu universo ficcional de Nova Iorque para Londres. É na capital inglesa que ele constrói a história do tenista profissional Chris Wilton (Jonathan Rhy-Myers), um irlandês ambicioso que vê no romance com uma jovem da alta burguesia, a doce e sem graça Chloe (Emily Mortimer), a concreta possibilidade de ascender socialmente. O destino, no entanto, lhe prega uma peça.
Chris se apaixona por Nola (Scarlett Johansson), uma aspirante a atriz norte-americana que namora Tom (Mathew Goode), irmão de Chloe e amigo pessoal de Tom. Espontânea, sensual e nada previsível, Nola é o extremo oposto daquele mundo de pompa e circunstância que abre as portas a Chris, mas lhe cobra, em troca, submissão quase cega aos seus rituais. Não à toa, sufocado por essa ordem social, ele se entrega a um romance clandestino com Nola.
Com ecos de Uma Tragédia Americana, romance de Theodore Dreiser que inspirou o clássico melodrama Um Lugar ao Sol (com Montgomery Clift e Elizabeth Taylor), Ponto Final reinventa a situação-clichê do pobretão ambicioso que se vê forçado a decidir entre duas mulheres: uma rica, que lhe garantirá um futuro de conforto e provilégios; e outra da sua classe social, por quem se sente atraído, apaixonado até, mas que pode condená-lo à mediocridade.
Allen, como já havia feito no excelente Crimes e Pecados (1989), um de seus melhores filmes dramáticos, cria uma fábula moral com inúmeras implicações. Ele critica o mundo classista e até certo ponto hipócrita dos britânicos, o confrontando com a falta de verniz e estirpe dos americanos, representados por Nola, uma personagem charmosa, sem dúvida, mas à deriva, vítima da falta de um porto seguro. Também brinca com duas de suas grandes paixões no mundo das artes, a literatura russa e a ópera, onipresente na trilha sonora do filme.
Por último, mas não menos importante, Woody Allen faz com Ponto Final perturbadoras reflexões sobre o casuísmo moral reinante nos dias atuais, segundo o qual qualquer atitude pode se justificar conforme as circunstâncias que a envolvam, e a idéia da sorte, personificada pela figura de Chris, um homem que, embora insista em errar, sempre acaba acertando. Na mosca. GGGG1/2
Deixe sua opinião