Zapear é inevitável nas Olimpíadas

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A variedade é comparável à daqueles cafés da manhã de hotel. Opções para todos os paladares. Das mais tradicionais, indispensáveis para começar um bom dia, passando por pratos mais requintados, para experimentar em ocasiões especiais, até chegar a iguarias exóticas, "coisa de americano". No cardápio, ao invés de pães, brioches e ovo com bacon, vôlei, natação, levantamento de peso e softbol.

Em mês olímpico, a tentação atende por dois números: 140 e 142. Foi nesses canais que a tevê via satélite que assino instalou seus mosaicos olímpicos. No primeiro, quatro Sportv; no segundo, duas ESPN, mais o BandSports. Fora as abertas Globo e Band. Nove convites quase irrecusáveis para virar a madrugada.

Com tanta variedade, a zapeada é inevitável. E o que se vê e ouve é animador. Infinitamente melhor do que fazer o mesmo exercício em Copa do Mundo, época em que, com raras e honrosas exceções, a pátria de chuteiras cega os sensatos e enlouquece os ufanistas.

Ainda tem muito narrador se esgoelando por um "histórico" 20º lugar e sempre escapa algum chavão do tipo "esse bronze vale ouro". Mas praticamente não há palpiteiros de plantão empunhando o microfone. Uma benção para os telespectadores, possível apenas por um problema crônico da imprensa esportiva brasileira.

Jornalista especializado em esporte que não seja o futebol ou Fórmula 1 é raríssimo. Nos canais abertos, a exceção é Álvaro José, o expert da Band que sabe tudo de todas as modalidades. Já faz 20 anos que eu acompanho Jogos Olímpicos e ele sempre está lá, com seus comentários precisos e dados improváveis na ponta da língua. Infelizmente, não fez sucessor. Nem no seu canal, nem em nenhum outro.

A solução é recorrer a técnicos, atletas e ex-atletas. Embora algumas escolhas sigam a lógica dos comentaristas de futebol – nomes famosos que, parafraseando Romário, quando calados são poetas –, o índice de acerto é grande. Com vasto conhecimento da modalidade e um domínio mínimo do microfone, tornam o narrador uma figura dispensável.

Andrea João, comentarista de ginástica da Globo, é assim. Embora tenha momentos de torcedora, consegue dizer o nome de qualquer movimento no exato momento em que ele é executado. Com o casamento perfeito entre imagem e teoria, em menos de cinco minutos dá para saber o que é um flick-flack com dupla pirueta e meia.

Alexandre Pussieldi, que comenta natação no Sportv, também. Técnico brasileiro nos Estados Unidos, chega a ser uma figura caricata quando filmado pelas câmeras do "canal campeão". Gordinho e baixinho, está sempre com uma camisa de turista americano de férias no Havaí. Mas a sua capacidade de análise e de cálculo impressiona. Madrugada dessas, enquanto na ESPN Ricardo Prado se batia para saber se Gabriela Silva havia passado para a final dos cem metros borboleta, Pussieldi já cravava que ela havia feito o oitavo melhor tempo. Na mosca.

Apesar do atrapalho aritmético, Prado é um dos expoentes da fortíssima equipe de comentaristas especializados dos canais ESPN. Sem futebol nacional para transmitir, a emissora investiu em jornalismo. E para cobrir 24 horas de programação, criou uma série de programas sobre outros esportes, o que exige uma equipe permanente de especialistas, todos envolvidos na cobertura olímpica: Ana Moser, Maurício Jahú (vôlei), De Simone (handebol), Zé Boquinha (basquete), entre outros.

Meu preferido é Wlamir Marques, bicampeão mundial de basquete. Duro e preciso nas críticas, traça a cada comentário o triste panorama atual da modalidade no país. Pois outro dia achei que até ele estava pegando leve demais com a nossa seleção feminina, que conseguia entregar mais um jogo ganho. Mudei para a Globo, atrás de uma Hortência furiosa. Me deparei com um flash de tiro com arco.

A entrada não durou 30 segundos. Tempo suficiente para entender por que o brasileiro perdia feio para um sul-coreano que insistia em acertar a flecha bem no meio do alvo. Mérito de Fátima Rocha, atiradora que passou a madrugada inteira de plantão para, em poucas palavras, dissipar um pouco da névoa que envolve o raso conhecimento nacional sobre o bom e velho arco e flecha. Prova incontestável de que vale a pena investir em gente especializada. Nem que seja para falar por meio minuto.

Leonardo Mendes Júnior é o editor de Esportes da Gazeta do Povo.