Um “quiprocó” agitou o circuito nacional do samba, há duas semanas.
A cantora Zélia Duncan teve seu álbum mais recente “Antes do Mundo Acabar” indicado ao premio da Música Brasileira na categoria melhor disco de samba.
Parte destas canções, ao lado do repertório com sucessos da carreira, serão apresentadas por Zélia em uma show no Teatro Guaíra, neste sábado (4), às 21h.
Um dos indicados ao premio, o sambista baiano Roque Ferreira, pediu para que seu álbum, “Terreiros”, fosse retirado da disputa.
“Ela não é sambista. É oportunista. Entrou no samba pela porta dos fundos e por isso liguei para o José Maurício Machline [diretor do prêmio] para retirar meu nome de lá”, disse Roque ao jornal A Tarde.
Artista de grande reputação dentro do gênero, Ferreira é compositor de grandes sucessos como “Samba Pras Moças” e “Água da Minha Sede”, gravados por Zeca Pagodinho, e célebre defensor das tradições do gênero que completa cem anos (há controvérsias) em 2016.
Ferreira esteve em Curitiba em abril na abertura da temporada do projeto Samba de Bamba 2016. O show no Teatro da Caixa Cultural vai virar seu novo álbum. O multi-instrumentista nascido em Nazaré das Farinhas (BA) se enquadra no conceito de “talebamba”. A expressão bem-humorada é usada pelo produtor Rodrigo Browne para designar os fundamentalistas das tradições ancestrais do ritmo.
Após a censura pública de Roque, Zélia se defendeu usando a sua coluna no jornal O Globo. A cantora niteroiense, que fez carreira ligada à MPB e ao rock – chegou a fazer as vezes de Rita Lee na reencarnação dos Mutantes para uma turnê em 2006 – dizendo que ficou decepcionada, pois era grande fã do baiano.
“Me entristece o que está acontecendo, porque rótulos são coisas de gente que pensa pequeno, que não olha o céu amplamente... Me chamar de roqueira muito me orgulha, mas não me traduz por completo e soa como um triste fundamentalismo musical”, escreveu Zélia.
Amassar o barro
Os pontos de vista distintos dividiram o “mundo do samba” que, aliás, sempre gostou de uma boa polêmica.
O músico e compositor Wiliam Fialho, organizador do “samba da vela”, evento de preservação das tradições do samba em São Paulo, saiu em defesa de Roque.
“O samba no Brasil é apenas tolerado, é olhado com reservas. Nas poucas vezes em que se chama a atenção para o gênero [como no caso de uma premiação nacional] se indica uma pessoa que não é sambista, em detrimento de alguém que atua a carreira inteira na área”
Para ele, apesar de ser uma “ótima artista”, Zélia Duncan ainda precisaria “amassar o barro, passar por baixo da catraca”, até poder concorrer ao melhor disco de samba do ano.
Alfredo Del Penho, compositor e instrumentista considerado um dos principais nomes do “novo samba” carioca, diz que a postura de Zélia e Roque no caso é coerente com a carreira de ambos.
Ele avalia, no entanto, que qualquer restrição fere a natureza do samba brasileiro “que é nascido de várias misturas”. “É como naquele samba do Candeia: ‘Eu não sou africano, eu não / Nem norte-americano / Ao som da viola e pandeiro / sou mais o samba brasileiro’ “, observa.
“Espero que os continuem fazendo o melhor. Que o Roque siga compondo e não se policie na hora de pensar e agir. E que a Zélia faça o que achar melhor para a carreira dela”.
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