Ziriguidum sofisticado

Na década de 1960, a hegemonia da bossa nova como gênero musical brasileiríssimo teve um adversário à altura. Enquanto Tom Jobim e João Gilberto, miudinhos, pincelavam acordes delicados em Ipanema e no Leblon, Baden Powell e Vinicius de Moraes evocavam as negras raízes musicais brasileiras e criavam os chamados afrossambas. Se é fato que a bossa venceu – em termos de expansão, alcance e reverberação em novos artistas –, os afrossambas ganharam, com o pianista Philippe Baden Powell e o violonista Mario Adnet, novos motivos para ressoar. Os dois mostram o porquê disso às 21 horas de sábado, no Teatro Guaíra, no show Afro­­sambajazz – A Música de Baden Powell (confira o serviço completo). A cantora Mônica Sal­­maso é a convidada especial.

O pianista e arranjador Philippe Baden Powell – 32 anos, filho mais velho de Baden – e o violonista Mario Adnet são responsáveis por um dos melhores discos de música instrumental brasileira de 2009, justamente o Afrosambajazz (Biscoito Fino). O álbum será interpretado na íntegra com a participação de 13 músicos. Naipe de metais, percussões, baixo, bateria e dois pianos irão celebrar a música vigorosa e única de Baden Powell (1937-2000), um dos maiores violonistas (sem exagero) do mundo.

"Lembro de ter achado uma partitura de Baden com o telefone do Mario na mesa e, de vez em quando, papai apontava aquilo, dizendo: ‘esse cara é da pesada’" conta Philippe, referindo-se à Mario. "Eu o procurei e passei a ficar atento ao que ele fazia. Des­­cobri a pessoa maravilhosa que ele é através da arte", diz o músico, nascido em Paris, e que aos sete anos escolheu o piano como instrumento. "O violão foi o primeiro, porque sempre estava por perto. Mas o piano me fascinava".

Sintonia

A efetiva história da dupla começa com uma parceria, tal como fizeram Vinicius e Baden. Vizinhos no Rio de Janeiro, se conheceram no início dos anos 2000, quando gravaram o disco Ouro Negro – homenagem a Moacir Santos (1924-2006).

A amizade e a sintonia musical culminou em Afrosambajazz. O disco de 14 canções, assim como o show, carrega obras clássicas daquela música brasileira que brincou com o tempo. Pois o samba foi buscar inspiração no lundu, gênero africano "musculoso" caracterizado pela percussão insistente: virou afrossamba. E também ares jazzísticos que possibilitaram a improvisação e a sofisticação harmônica: eis o afrossambajazz.

Clássicos e inéditas

Alguns afrossambas já conhecidos, explica Philippe, ganharam ótimas releituras, com ênfase no trombone, clarinete e saxofones. É o caso de "Berimbau" e "Can­­to de Ossanha" – ambas de Baden Powell e Vinicius de Mo­­raes. Outras, como "Alodê", são músicas raras e foram executadas poucas vezes. Há ainda as inéditas "Caxangá de Oxalá", "La­­mento de Preto Velho" e "Nhem Nhem Nhem".

Philippe achou as partituras revirando os baús do pai na França. Muitas tinham alguma indicação melódica e harmônica, mas outras eram peças de estudo – o que só comprova a genialidade do homenageado. "As pessoas acham estranho porque me refiro ao meu pai tanto como ‘papai’ ou Baden. Porque um foi um homem fora de série. E outro um compositor genial", diz o pianista.

Tradição

Philippe Baden Powell representa a quinta geração de músicos da família. Seu bisavô fazia parte dos grupos que se formavam em fazendas – tradição que perpetuou as rodas musicais feitas no tempo da escravidão. O avô, sapateiro por profissão, era exímio violinista, enquanto o pai saía a cavalo pelo interior do Rio de Janeiro, "serestando". "Cresci nesse ambiente musical e me senti atraído pela música. A atração virou interesse. E o interesse, necessidade", explica Philippe. O músico já pensa em lançar outro disco com composições próprias – além de Afrosambajazz há um álbum lançado nos Estados Unidos em 2006 –, e preparar um livro sobre a música de seu papai. Ou melhor, de Baden Powell.

Serviço:

Afrosambajazz – A Música de Baden Powell. Teatro Guaíra (Pça. Santos Andrade, s/nº), (41) 3304-7900. Dia 31, às 21 horas. Ingressos a R$ 40 e R$ 20. Assinantes da Gazeta do Povo contam com 50% de desconto (não cumulativo). Confira o serviço completo