É uma lição valiosa para quem estuda e comenta a política profissionalmente: jamais deixar um incômodo, irritação ou posição ideológica contrária prejudicar o entendimento e a análise que se faz de um político, de um partido, de uma ideologia, de um movimento social, de uma sociedade.
Os analistas e comentaristas têm errado nas suas avaliações acerca do que tem acontecido no mundo, especialmente a ascensão da direita, porque têm deixado a irritação, o desconforto e o fígado falarem mais alto do que a análise dos anseios da sociedade, dos atos políticos e das decisões de governo.
Mesmo que esses analistas tenham um conhecimento teórico robusto e sejam, de fato, estudiosos das matérias, estão aplicando a teoria que dominam de forma errônea ao permitirem que as suas posições pessoais prejudiquem as suas reflexões e comentários. Compreende-se que um leigo que comenta em redes sociais aja dessa maneira, mas é inaceitável em quem dedica-se profissionalmente ao ofício. Vejo isso acontecer com a pontualidade de relógio suíço.
E aqui aproveito para acusar-me. Eu mesmo me deixei levar pelo erro quando da campanha presidencial americana em 2016. Eu, que sempre achei Trump um talento empresarial, e vi muitos episódios do seu Aprendiz, mudei completamente a minha visão quando ele se lançou candidato. No político iniciante, eu só conseguia enxergar bufonaria, despreparo, degradação.
Embora eu jamais tivesse incorrido no erro de afirmar que Hillary Clinton era uma candidata melhor do que Trump, erro que acometeu muitos conservadores americanos e de outras partes do mundo – eu, inclusive, escrevi um artigo mostrando quem era a candidata do Partido Democrata que a grande imprensa ocultava –, critiquei severamente o candidato do Partido Republicano. E o fiz porque deixei que a repulsa que a sua personalidade como candidato me provocava – a mesma personalidade que eu apreciava como empresário e celebridade empresarial – se sobrepusesse à análise política.
Como a minha régua comparativa era Ronald Reagan, Trump representava para mim, naquele momento, a degradação quase completa do Partido Republicano, como se não tivesse havido, antes de Trump, figuras como Nixon e George Bush pai e filho.
Foi no decorrer da campanha que eu parei para reavaliar a maneira pela qual eu vinha avaliando a candidatura, a prestar atenção no que dizia o seu então chefe da campanha, Steve Bannon, e a pesquisar sobre a postura empresarial de Donald Trump ao longo da vida. Percebi que a minha chave de leitura até ali estava errada, não importava o quanto eu usasse uma boa teoria para explicar o que estava acontecendo nos Estados Unidos.
Da política americana para a política inglesa, que eu conheço muito melhor do que a dos Estados Unidos, jamais me deixei enganar sobre o Brexit. As análises sobre a saída do Reino Unido da União Europeia padeceram na época – e continuam a padecer – do mesmo mal: a contrariedade pelo resultado tem sido usada para fundamentar uma avaliação muito errada a respeito das motivações de quem votou a favor do Brexit. Até hoje há comentaristas e acadêmicos de renome que continuam a culpar os “ingleses mais velhos, mais pobres, xenófobos, anti-islâmicos” pelo resultado.
Em ambos os casos, Reino Unido e Estados Unidos, trata-se, sobretudo, de um descolamento fatal da sociedade por parte de intelectuais e da intelligentsia. Desvinculados do povo, numa prepotência arrogante, esses intelectuais de gabinete têm cometido um erro de análise atrás do outro porque só conhecem a patuleia pelos livros ou de “ouvir falar”.
Um livro que explica brilhantemente esse fenômeno é A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia, de Christopher Lasch, que me foi apresentado em 2016 pelo Dionisius Amêndola em seu Bunker do Dio, ótimo canal no Yotube que eu recomendo vivamente (em 2015, inclusive, ele já havia escrito a respeito no seu blog). Essa leitura ajudou-me imenso a aprimorar a minha base de avaliação dos eventos políticos e sociais contemporâneos, e a ver o que estava acontecendo nos Estados Unidos (e em outros países) de maneira mais adequada.
No Brasil de hoje, intelectuais e a intelligentsia de gabinete têm abusado da incompetência, da má-fé ou da defesa de suas ideologias quando se aventuram a “analisar” a direita brasileira. Porque estão profundamente desconectados do povo, apresentam imitações de análises como se fossem avaliações criteriosas sobre eventos profundamente novos no seio da sociedade brasileira, mesmo que dentro da novidade haja elementos velhacos.
Quando a campanha política iniciar formalmente, essas imitações de análise serão rotina na imprensa, no rádio e na TV. Fiquemos alertas para identificar o que é torcida por um candidato, o que é torcida contra um candidato e o que é análise fundamentada e honesta, mesmo que parcial.
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