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O que Freyre e Scruton têm a ensinar a Ricardo Salles, novo ministro do Meio Ambiente

O advogado Ricardo Salles, novo ministro do Meio Ambiente. Foto:Pedro Calado /Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo (Foto: )

A indicação do advogado Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente suscitou mais uma polêmica dentre as nomeações do presidente eleito Jair Bolsonaro para o seu futuro governo.

Conheço Salles há uns 10 anos. Éramos parte de um pequeno grupo que fazia um trabalho cultural para defender e difundir ideias conservadoras e liberais, época em que o Brasil era terra devastada para tal empreendimento, pouca gente conhecia esses conceitos e as virtudes de sua aplicação, e era impensável a possibilidade de um governo com a agenda de Bolsonaro e até mesmo a nomeação de Salles para um ministério.

Pessoalmente, gostei da indicação por achar que Salles reúne as qualidades individuais exigidas para o cargo, a começar pela coragem de fazer o que precisa ser feito e pela experiência como secretário do Meio Ambiente de São Paulo. Não creio que ele seja condenado pela denúncia do Ministério Público estadual por suposta prática de atos de improbidade administrativa quando ele era secretário e teria sido responsável pela modificação de mapas de zoneamento do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê para beneficiar determinadas empresas. As alterações foram feitas, segundo Salles, porque eram tecnicamente necessárias. De espírito combativo, ele desagradou muita gente quando esteve à frente da secretaria por não se dobrar à agenda da esquerda.

A nomeação de um conservador para o Meio Ambiente abre a oportunidade de eu retomar esse tema que me é tão caro e que fez parte do objeto de preocupação e de reflexão de conservadores brasileiros famosos como Gilberto Freyre.

Autor clássico da nossa sociologia, Freyre, intelectual conservador, foi pioneiro na inserção da temática ambiental lato sensu no pensamento social brasileiro. Essa preocupação com o meio ambiente está presente em suas obras desde a década de 1930, das mais às menos conhecidas, e de forma mais ou menos evidente, como nos livros Casa Grande & Senzala (1933), Nordeste (1936), Rurbanização: que é? (1982) e artigos como “Homens, terras e águas na formação agrária do Brasil: sugestões para um estudo de interrelações” (1954) e “A propósito da devastação das nossas matas” (1964). Foi no livro Nordeste que ele usou pela primeira vez o termo “ecológico”.

Gilberto Freyre cunhou a expressão ecologia social ou socioecologia para olhar o meio ambiente de forma mais ampla, interdisciplinar e humana porque integrada à vida em sociedade, não como um elemento externo e reduzido a uma ecologia radical que se manifesta como psicose ambientalista. Em seu livro homônimo, D. Bertrand de Orleans e Bragança explica que, “sob o pretexto de salvar a natureza, na verdade ela (a psicose ambientalista) viola gravemente o direito de propriedade, cerceia a produção agropecuária e impõe limites ao legítimo progresso econômico de todas as camadas da população”. Na esfera econômica, o esforço de Freyre, que nada tem a ver com a ecologia radical, remete ao esforço humanista de Wilhelm Röpke no seu livro A Humane Economy (Economia Humana).

É fato que há quem destrua e tampouco dê importância ao meio ambiente, como se não fosse imperativo proteger o lugar que nos cerca e nos abriga, como fazemos com nossas residências. Também existem aqueles que, diante da psicose ambientalista, reajam mimetizando os vícios dos adversários com base numa psicose antiambientalista, como se a ecologia não importasse e não houvesse qualquer diferença entre viver num lugar de natureza bem cuidada e ar limpo e um lugar poluído e degradado.

Porque sabe que viver num ambiente agradável é melhor e preferível, um conservador vê o meio ambiente como um lar a ser preservado dos ataques que porventura venha a sofrer. Também sabe que o homem deve ser amigo do meio ambiente e que o meio ambiente deve ser amigo do homem, o que significa dizer que não existe, a priori, uma relação de antagonismo entre, por exemplo, desenvolvimento econômico e meio ambiente.

Vivemos numa época em que a tecnologia nos permite promover o progresso a partir de uma aliança saudável e sadia com o meio ambiente, que começa com uma compreensão individual dessa necessidade e de assimilação dessa ideia ao nosso senso comum. Isso tem três efeitos práticos que se relacionam: 1) a sociedade cobrar dos agentes econômicos que respeitem o lar comum onde todos habitam; 2) a percepção cultural que fará com que os empresários se preocupem em, e se sintam pressionados a, provocar o mínimo de impacto ambiental em suas atividades (e que tentem compensá-lo de alguma maneira); 3) a existência de regras (que podem, inclusive, ser privadas) que orientem a atividade e punam severamente as suas violações.

Além disso, há de se ter em conta que órgãos setoriais privados teriam condições de realizar um trabalho de orientação, fiscalização e punição muito mais eficiente do que as entidades estatais, que poderiam atuar de forma complementar. É exemplo simbólico dessa combinação entre irresponsabilidade empresarial e ineficiência estatal o rompimento da barragem do Fundão em Minas Gerais em 2015, crime ambiental escandaloso cometido pela empresa Samarco sob as barbas dos órgãos de fiscalização.

Num país onde existe economia com menos intervenção e Estado de Direito, a livre iniciativa e o direito de propriedade permitem que as empresas respeitem e se adaptem com mais celeridade às regras que protegem o meio ambiente. Segundo o estudo Risk and Safety de autoria de Aaron Wildavsky e Adam Wildavsky, há forte evidência empírica de que sociedades economicamente mais livres, onde existe um processo incessante e descentralizado de tentativa e erro, são mais ricas, protegem mais o meio ambiente e suas populações são mais saudáveis.

Essa preocupação conservadora é baseada no conhecimento de que a Teoria das Janelas Quebradas funciona não só para combater a criminalidade, mas para proteger o meio ambiente. Qualquer ataque ao sistema ecológico que nos circunda deve ser imediatamente, socialmente e juridicamente rechaçado porque, se nada fizermos, o processo de degradação é irreversível precisamente por falta de proteção e de cuidados. E estes devem ser realizados no âmbito local, não com projetos globais, nacionais e politicamente centralizados como costumam ser. Quem atua em órgãos internacionais como a ONU ou numa instituição do governo federal em Brasília decidindo de forma abstrata o plano ambiental para o país não faz ideia do que se passa em Cachoeiro de Itapemirim, a minha cidade.

Em seu livro Filosofia Verde – Como Pensar Seriamente o Planeta (É Realizações, 2016), o filósofo Roger Scruton defende esse tipo de abordagem conservadora, que é localista, não globalista: “em vez de tentarem retificar os problemas ambientais e sociais em escala global, os conservadores procuram reafirmar a soberania local sobre ambientes conhecidos e geridos”. Isso só será possível, argumenta Scruton, se envolver “o autogoverno das nações e a adoção de políticas que favoreçam as lealdades e os costumes locais” (p. 25).

Exige-se, para isso, “uma oposição à disseminada tendência atual de centralização governamental, o que implica repassar ativamente para as comunidades locais alguns dos poderes confiscados pelas burocracias centralizadoras”, que tanto podem ser, no caso do Brasil, o poder Executivo federal, quanto, no âmbito internacional, “instituições transnacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a União Europeia (UE)” (p. 26).

A preocupação conservadora com o meio ambiente pode ser explicada a partir da expressão oikophilia, que Scruton usa muito para definir o amor que nutrimos pelo lar, mas também para explicar o sentimento que serve de motivação para enfrentarmos as questões ambientais a partir de iniciativas locais: proteger o meio ambiente é salvaguardar o lar – e não apenas a residência – onde vivemos. Parte do argumento do filósofo é baseado na ideia de economia humana contida no livro de Röpke que citei no início do artigo.

Por essa razão, Scruton defende “as iniciativas locais contra os esquemas globais, a associação civil contra o ativismo político e as fundações de pequeno porte contra as campanhas de massa” (p. 9), em vez da transferência dessa responsabilidade para o Estado, cuja tarefa seria criar condições para a realização adequada do trabalho.

Espero sinceramente que o novo ministro do Meio Ambiente tenha como norte essa abordagem conservadora, moral e economicamente eficiente, que une Gilberto Freyre e Roger Scruton. A entrevista que ele concedeu ao Estadão parece felizmente indicar que, no cargo, atuará nesse sentido.

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