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O que significa a visita do presidente de Cuba à Rússia e à Coreia do Norte

O ditador da Coreia do Norte, Kim Jong Un (à direita), recebe o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, em Pyongyang, Coreia do Norte, em 4 de novembro. Foto: Korean Central News Agency / AFP (Foto: )

Cuba costuma ser um fantasma na discussão política brasileira. Qualquer atitude perante a ilha receberá aceno favorável de um terço do eleitorado e reprovação de outro terço. Só muda qual fração que irá gostar. Mesmo enquanto outros países mudavam sua retórica e sua postura em relação a Cuba, o tema continuava divisivo no Brasil. Claro, não quer dizer que todas as relações entre Havana e outros governos estão normalizadas, nem que o governo cubano tenha deixado de ser um governo autoritário.

Nos últimos anos, desde a eleição de Donald Trump, a abordagem de seu governo perante Cuba retomou uma retórica forte e o distanciamento, uma mudança perante o que foi o governo Obama. Cabe lembrar que a maioria da comunidade cubana nos EUA é eleitora do Partido Republicano, por identificar nele uma postura anti-Castro. Na Flórida, assim como no Brasil, temas cubanos costumam ter impacto eleitoral.

Calafrios da Guerra Fria

Na última quinta-feira (1º), o novo presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, chegou na Rússia, para sua primeira visita oficial ao antigo aliado. Por três dias, Díaz-Canel tratou de comércio, infraestrutura, petróleo e cooperação militar. O cubano encontrou-se com seu homólogo russo, Vladimir Putin, com o premiê Dmitri Medvedev, com o ministro da defesa, dentre uma série de reuniões.

As palavras Cuba, Rússia e cooperação militar podem dar calafrios e remeterem à Crise dos Mísseis de 1962. Hoje, entretanto, o tema é muito mais retórico e as forças cubanas não possuem o poderio da década de 1980. O prato principal da visita cubana foi a cooperação em infraestrutura. Nas palavras de Putin, a rede cubana de estradas triplicará o tráfego de passageiros e duplicará o tráfego de carga.

Tudo construído com auxílio russo, e sem o uso de dólares nessas transações, contornando as sanções dos EUA contra ambos os países e também enfraquecendo a principal arma geopolítica de Washington. Da Rússia, Díaz-Canel foi para a Coreia do Norte, onde passou pouco mais de um dia. Foi recebido ainda no aeroporto por Kim Jong-un e comitiva. Como mencionado recentemente nesse espaço, inimigos em comum criam as mais curiosas amizades.

Ainda em 1960, foram estabelecidas as relações entre os dois países, que não possuem quase nada em comum, historicamente. Che Guevara, ocupando cargo ministerial em Cuba, visitou Pyongyang, assim como Raúl Castro e, em 1985, Fidel Castro. Em 1988, Cuba foi um dos quatro países que boicotaram os jogos olímpicos em Seul, em solidariedade à Coreia do Norte, que teve sua proposta de sede conjunta rejeitada.  

Além da proximidade socialista, o principal fator de união entre os dois países é o antagonismo dos EUA. Ambos os países precisam contornar sanções, adquirir armas por vias dúbias e desenvolver tecnologia própria. Cuba não aderiu às sanções contra o programa nuclear norte-coreano, assim como a Coreia do Norte não se importa com o embargo dos EUA contra Cuba.

Embora um fluxo comercial tímido, em números absolutos, representa uma das poucas saídas que esses países tiveram por décadas. E também uma saída para cooperação militar e tecnológica. Em 2013, o navio norte-coreano Chong Chon Gang foi detido no Panamá, e liberado após pagamento de multa, em dólares, pela Coreia do Norte. Ele carregava mísseis e motores à jato para serem reparados na Coreia do Norte, e retornados posteriormente ao governo cubano.

Abertura cubana

Pode-se interpretar que a turnê de Miguel Díaz-Canel seria um sinal dos próprios cubanos de que pretendem retomar o período da Guerra Fria, devolver a retórica dos EUA na mesma moeda, algo do tipo. Improvável, pelo citado estado das forças armadas cubanas. E também pelo atual momento político do país. Com a aproximação entre Cuba e EUA, ainda no governo Obama, os cubanos receberam grande incentivo para uma política de abertura.

Embora a postura de Washington tenha mudado, a de Havana continuou. Alguns presos políticos foram libertados, o turismo foi incentivado, voos diretos restabelecidos, trânsito de capitais e a eleição indireta de um novo presidente, Miguel Díaz-Canel, substituindo Raúl Castro. Junto com esse processo, uma constituinte também foi formada, e uma nova carta magna elaborada.

Um referendo será realizado em 24 de Fevereiro de 2019, para aprovar ou não o novo texto. Ele reconhece a propriedade privada, institui uma série de aberturas de mercado, reforma o judiciário e restitui a presunção de inocência, limita os mandatos políticos, diminui a concentração de poder político, retira a “construção do comunismo” do objetivo do Estado e proíbe qualquer forma de discriminação.

Tudo isso foi muitíssimo bem recebido ao redor do mundo. Federica Mogherini, chefe da diplomacia da União Europeia, assinou um acordo de cooperação ainda em 2016, visitou Cuba no início de 2018, além de ter realizado diversas reuniões com lideranças cubanas; por exemplo, com o novo presidente, em Nova Iorque, quando da Assembleia Geral da ONU. “União Europeia é o parceiro comercial número um de Cuba”, deixando claro qual o interesse de seu bloco.

Uma conspiração socialista global, uma forma da União Europeia destruir a cultura ocidental, alguma conspiração dessas? Nada disso, fluxo comercial e investimento. Dinheiro. Cuba é a “menina dos olhos” no Ocidente, uma economia até então fechada e com um bloqueio econômico imposto à ela. São doze milhões de potenciais consumidores cubanos e uma miríade de possibilidades de investimentos, em diversas áreas. A abertura causa uma verdadeira “corrida do ouro” de empresas e países querendo seu quinhão.  

Ideologia e ganhos concretos  

“Oras, se fosse assim, o presidente de Cuba estaria na Europa, não na Coreia do Norte”. As políticas de Trump acabaram modificando o passo das relações. A distensão entre EUA e EU em relação ao acordo com o Irã faz com que os europeus precisem escolher suas batalhas; peitar Washington para manter as relações econômicas com o Irã já é desgastante o suficiente, Havana pode esperar.

Então, Díaz-Canel precisa fazer sua escolha, também. A abertura econômica está em curso, a ilha precisa de investimentos e parcerias. A Europa está concentrada em contornar as sanções contra o Irã. Restam os velhos e os novos aliados. Rússia, Coreia do Norte e, de lá, China, Vietnã e Laos. O presidente cubano passará mais de uma semana fora de seu país, em conversas que devem servir para o pontapé inicial da nova economia da ilha.

É necessário separar componentes ideológicos de ganhos concretos em relações bilaterais. Por exemplo, o Irã. Ideologicamente, é um regime autoritário e teocrático, que aprisiona seus cidadãos de forma arbitrária e impõe códigos de moral para toda sua população, suprimindo algumas das mais básicas liberdades individuais. Ainda por cima, alguns de seus representantes defendem a destruição de outro Estado; no caso, Israel.

Ao mesmo tempo, o Irã é o sexto maior destino de exportações brasileiras em 2018. Uma relação superavitária de quatro bilhões e meio de dólares. Esse é o montante de dinheiro iraniano que entrou no Brasil apenas em 2018. Isso é aproximadamente o dobro do orçamento municipal anual de Curitiba. Abrir mão dessa relação comercial por razões ideológicas seria razoável? Ainda mais um comércio que não depende da venda de armas, que poderiam ser usadas por esse governo autoritário.  

Por isso que, num momento como esse, causa estranheza o presidente eleito do Brasil dizer que fecharia a embaixada brasileira em Havana. Qual o ganho, além de discurso ideológico e eleitoral? Novamente, o Brasil não exporta armas para Cuba, e tem uma relação lucrativa de torno de 230 milhões de dólares apenas em 2018. Nem os EUA de Donald Trump, em meio seu endurecimento com Cuba, fechou sua embaixada.

Isso remonta ao pensamento de querer ser “mais realista que o rei”, como quando o Brasil de Dutra rompeu com a União Soviética em 1947, indo contra a recomendação do próprio governo de Washington. Em um momento em que Cuba está em franco processo de abertura econômica e buscando atrair investimentos e parceiros, retroceder nessas relações só trará prejuízos.

Não é necessário ser o amigo do peito de Miguel Díaz-Canel ou do regime cubano. Tampouco é necessário fingir. Só não faz sentido jogar dinheiro fora, em uma relação comercialmente lucrativa. Muito menos queimar os investimentos brasileiros já feitos na ilha. Como dito pelo próprio presidente eleito, não é saudável uma política externa muito ideológica. E, enquanto o presidente cubano viaja pelo mundo buscando investimentos, manter as relações com Cuba é o mais inteligente e pragmático a se fazer.  

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