Trump ganhou algumas dores de cabeça como resultado das eleições de meio de mandato nos EUA. Os antecedentes da eleição foram tema desse espaço e, no que concerne o Legislativo federal do país, o cenário previsto se concretizou. Após sete anos, o Partido Democrata terá a maioria da Câmara dos Deputados dos EUA, enquanto o Partido Republicano manteve o controle do Senado.
A “onda azul” especulada na imprensa dos EUA não se confirmou; azul é a cor associada aos democratas, enquanto o vermelho é dos republicanos. Ainda assim, os democratas tiveram avanços importantes que devem servir de alerta aos republicanos e ao presidente Donald Trump. Além de diversos eleitos e eleitas representando demografias inéditas, algo que conflita com o discurso de Trump, os democratas desalojaram diversos ocupantes republicanos de cargos, saindo maiores do que iniciaram a corrida eleitoral.
Maioria republicana no Senado….
Dos cem assentos no Senado dos EUA, trinta e cinco estavam em disputa. Trinta e três assentos seriam normalmente disputados em 2018, representando um terço da casa, em uma renovação parcial, tal como ocorre no Brasil. Além desses, dois assentos especiais estavam em jogo. Um em Minnesota, onde o democrata Al Franken renunciou por um escândalo de abuso sexual, e um no Mississippi, onde o republicano Thad Cochran se aposentou por questões de saúde.
Os republicanos conseguiram, no mínimo, manter sua vantagem senatorial, para um mínimo de 51 senadores. Três resultados ainda são aguardados; Flórida, Mississippi, que disputará segundo turno, e Arizona. Ou seja, os republicanos podem chegar ao confortável número de 54 senadores. Por enquanto, o Senado dos EUA está com 51 Republicanos, 44 Democratas e dois Independentes.
Os independentes são Angus King do Maine e Bernie Sanders de Vermont, ambos próximos dos democratas; Bernie Sanders foi, inclusive, o concorrente de Hillary Clinton nas últimas primárias presidenciais do partido. Os democratas não apenas perderam assentos para dois candidatos em tese independentes, mas senadores do partido perderam três tentativas de reeleição; em Indiana, Missouri, e Dakota do Norte.
Apenas um democrata “virou” o assento de seu estado, com a derrota republicana em Nevada. Os quatro estados em que ocorreram mudanças possuem uma característica em comum: votaram de acordo com o partido atualmente vencedor na última eleição presidencial. Nevada foi de Hillary Clinton, enquanto os outros três foram de Donald Trump. Os resultados das eleições de 2018, então, podem ser interpretados como sinais de tendências para as eleições presidenciais de 2020, como visto adiante.
…retomada democrata na Câmara
Na Câmara dos Deputados, todos os 435 assentos estavam em jogo. Dez resultados ainda são aguardados. Os republicanos possuíam a maioria de ambas as casas do Congresso, vencendo 241 assentos contra 194 democratas nas eleições de 2016; os números finais estavam ligeiramente menores com a aposentadoria de deputados, além da morte da democrata nova-iorquina Louise Slaughter.
Mesmo com os resultados ainda aguardados, a maioria democrata já está sacramentada, com ao menos 227 assentos, um ganho substancial de trinta e quatro deputados. Dessas vitórias democratas, doze foram contra novos candidatos republicanos, substituindo políticos que se aposentaram, foram disputar outros cargos, etc.
Isso significa que os republicanos perderam vinte e duas tentativas de reeleição de deputados, enquanto os democratas não perderam nenhuma; o partido não conseguiu fazer o sucessor em apenas três distritos. O saldo positivo para os democratas não está apenas no número de assentos final, mas no desempenho eleitoral, com um índice de renovação de seus quadros maior do que seus rivais republicanos.
Por exemplo, o republicano histórico Dana Rohrabacher, deputado pela Califórnia desde 1988, foi derrotado. Ele foi assessor próximo de Ronald Reagan, um dos primeiros aliados de Trump e cotado até para ser Secretário de Estado, Rohrabacher perdeu para o advogado Harley Rouda, apoiado pelo bilionário ex-prefeito de Nova Iorque e ex-republicano Michael Bloomberg.
Essa renovação é quase em sentido literal. As midterms tiveram um comparecimento de um terço do eleitorado entre 18 e 29 anos de idade, algo que não ocorria desde a década de 1950 e a geração que exigia ser ouvida após sofrer as agruras da guerra. Do total eleito, vinte e cinco possuem menos de quarenta anos de idade. A média de idade do Congresso deve baixar de 61 anos para 52 anos. Pela primeira vez, mais de um quinto do Congresso dos EUA será composto por mulheres.
E todos esses números falam em favor dos democratas; a maioria dos jovens votou no partido, a maioria dos jovens eleitos foi pelo partido, assim como a maioria das mulheres. Tudo isso é condensado na nova deputada pelo estado de Nova Iorque, Alexandria Ocasio-Cortez, a mais jovem eleita da História, aos vinte e nove anos de idade. O fenômeno de renovação se repetiu em legislaturas estaduais.
Eleições estaduais e o Colégio Eleitoral
Também ocorreram diversas eleições estaduais e referendos locais. Dos cinquenta estados dos EUA, trinta e seis escolheram novos governadores, além de três territórios; Ilhas Marianas, Guam, Ilhas Virgens. Nas eleições para governos estaduais, o saldo foi novamente positivo para os democratas, com seis estados com novos governos democratas. Esse número depende dos resultados na Geórgia, com a vitória do candidato republicano ainda contestada pelos democratas.
Os republicanos venceram onze reeleições: Alabama, Arizona, Arkansas, Iowa, Maryland, Massachusetts, Nebraska, New Hampshire, Carolina do Sul, Texas e Vermont. Em outros sete estados, o governo republicano conseguiu eleger a sucessão: Flórida, Idaho, Ohio, Oklahoma, Dakota do Sul, Tennessee e Wyoming. Já o partido democrata venceu cinco tentativas de reeleição estadual: Havaí, Nova Iorque, Oregon, Pennsylvania e Rhode Island. Além disso, fizeram a sucessão em quatro estados: Califórnia, Colorado, Connecticut e Minnesota.
A vantagem democrata veio nos estados do Illinois, Kansas e Wisconsin, onde os republicanos buscavam a reeleição, e no Maine, Michigan, Nevada e Novo México, estados em que os republicanos ocupavam o governo e as tentativas de sucessão não foram aprovadas nas urnas. O único estado que os republicanos conquistaram foi o Alasca, que era independente, com o governador Bill Walker declarando apoio ao candidato democrata.
Dos novos estados com governo democrata, Kansas, Wisconsin e Michigan votaram por Donald Trump no colégio eleitoral das últimas eleições presidenciais, um total de trinta e dois votos. Caso esses resultados se repetissem, Trump ainda venceria as eleições, mas por uma margem extremamente apertada. Devido ao formato indireto das eleições presidenciais nos EUA, um partido perder seis governos estaduais não é pouca coisa e deve acender alertas no comitê de reeleição de Trump.
Rugas para Trump
O resultado da eleição, como dito, não foi a tal onda azul. Ao contrário, alguns sinais são positivos para Trump. Manteve o prestígio em zonas rurais, afetadas diretamente pela guerra comercial com a China; viu o aumento do comparecimento nas urnas, o que inclui seus partidários; em distritos tradicionalmente republicanos, elegeu aliados, dando sua cara ao partido, pessoas mais próximas ao que se chama de Trumpismo do que aos nomes republicanos tradicionais, como a família Bush; e o controle do Senado garante a aprovação de nomes indicados por Trump para cargos e cortes.
Ainda assim, algumas rugas de preocupação devem se acentuar, além dos motivos anteriores. A perda da Câmara significa a necessidade de negociar com os democratas em temas como orçamento e reforma fiscal; o dinheiro para a construção do famoso muro com o México fica em xeque. O fim do sistema de saúde popularmente chamado de Obamacare estará fora de questão; o partido democrata, como partido líder da casa, determina o que será ou que deixará de ser pauta.
Se Trump fará concessões ou manterá seu estilo, a experiência dirá; ele nunca enfrentou uma situação como a que terá em 2019. Finalmente, o tema que tomará todos os jornais de assalto: as investigações contra a campanha de Trump e a suposta trama com apoio russo. Todos os principais comitês de investigação estarão nas mãos do partido com liderança. Intimações para depoimentos de figuras como o genro de Trump ou seu ex-advogado são bem prováveis.
Não é coincidência que, vinte e quatro horas depois do resultado da eleição, Trump demitiu o procurador-geral Jeff Sessions. Alguns mais fiéis ao presidente dirão que Sessions renunciou; sua carta, com a sutileza de um paquiderme, abre com “Atendendo seu pedido, apresento minha carta de renúncia”. Pedir por uma renúncia ou demitir é uma discussão semântica, nada mais.
Na prática, Trump demite uma figura que ele via como leniente com as investigações contra sua campanha, acreditando que Sessions deveria protegê-lo. Seu sucessor interino, Matthew Whitaker, então chefe de gabinete do procurador, é justamente o oposto. Lealdade feroz ao presidente, classificação das investigações como “caça às bruxas” e investigação de eventuais fraudes em seu passado como advogado.
Parte da opinião pública questionou o republicanismo dessa decisão, afirmando que, no mínimo, Whitaker deveria se abster de supervisionar o Conselheiro Especial Robert Mueller, ex-chefe do FBI que conduz as investigações sobre a campanha presidencial no Departamento de Justiça. Como Whitaker irá agir em relação à uma operação que ele já, repetidas vezes, afirmou ser injusta?
Ainda faltam os resultados da Flórida, que passará por processo de recontagem, tanto para governo do estado quanto para eleição ao Senado. No fim das contas, obteve-se, talvez, o resultado mais interessante. Nem uma onda azul, nem uma vitória clamorosa de Trump. Não se trata da falácia da moderação, mas do fato de que nenhum partido dará como ganhos os dois próximos anos. O país terá um lado buscando consolidar seus ganhos e uma reeleição, enquanto enfrenta oposição considerável, em salutar exercício democrático.
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