O ano promete novidades na península coreana. Espera-se que novidades positivas. Nessa semana, o autocrata da Coreia do Norte, Kim Jong-un, fez mais uma visita surpresa aos vizinhos chineses. A quarta nos últimos dez meses meses, embora nos primeiros seis anos de governo Kim não tenha visitado o principal aliado do país. O característico trem verde com listra amarela da Coreia do Norte foi visto na China na segunda-feira, dia Sete de Janeiro. Pouco depois dos primeiros relatos, a visita foi confirmada oficialmente, com fotos das pompas e dos comboios de veículos, mas sem agenda divulgada.
Existe uma curiosidade nos quase quatro dias de visita: é o período especulado do aniversário de Kim Jong-un. Ele seria nascido no dia Oito de Janeiro e teria 35 ou 36 anos de idade; pouco de sua vida pessoal é confirmado, o que abre espaço para hipóteses como a de seu passaporte brasileiro falso que tomou as redes sociais ano passado. Ainda assim, a visita não deve ter se tratado de apenas uma festa de aniversário. Com a falta de uma agenda divulgada, não é possível saber de aspectos concretos da visita, entretanto, olhando para as questões geopolíticas e cotejando com outros comunicados, pode-se fazer algumas conjecturas sustentadas.
Trump e as relações entre as potências
A principal conjectura é a mais óbvia. O encontro entre Kim e Xi Jinping seria um preâmbulo para uma nova cúpula entre Kim e Donald Trump, Presidente dos EUA. Quando Kim e Trump se encontraram em Singapura, em Doze de Junho de 2018, o líder coreano visitou seu homólogo chinês cerca de um mês antes. A atual visita de Kim, então, poderia servir para três propósitos, um não excluindo o outro. Primeiro, acertar a logística de um eventual encontro, que já esteja sendo negociado nos bastidores; Kim mandou uma carta para Trump no Ano Novo.
A questão da logística é pertinente aos chineses já que Pequim colaborou com Pyongyang na cúpula de Cingapura. Na ocasião, Kim chegou à bordo de um 747 chinês usado pelas principais autoridades do país, com sistemas de vigilância e segurança; dois aviões norte-coreanos levaram outros integrantes da delegação e mantimentos. Além disso, parte do aparato de vigilância e inteligência de Kim teria sido fornecido pelos chineses. O segundo propósito é “acertar os ponteiros” entre chineses e norte-coreanos, estabelecendo pautas em comum, objetivos e linhas vermelhas que não devem ser cruzadas numa nova cúpula com Trump.
Leia também: Visita de Kim à China é recado para os Estados Unidos
A China é uma das principais interessadas na liberalização de investimentos e retomada de comércio com os norte-coreanos, apesar de ter apoiado as sanções propostas pelos EUA no Conselho de Segurança da ONU. Em terceiro e por último, o encontro é um aviso sutil dos norte-coreanos de que eles ainda possuem um aliado de peso no cenário internacional, não são tão isolados assim. Um aliado que esteve descontente com o comportamento autônomo e frequentemente enérgico norte-coreano, mas ainda assim um aliado de peso.
A nação coreana
Um dos primeiros textos desse colunista aqui na Gazeta do Povo, infelizmente, causou algumas reações apaixonadas de simpatizantes de Donald Trump. A questão que foi explicada naquela ocasião e insistida por algum tempo é a de que o mundo inteiro vê a questão coreana como dois vassalos de duas potências. O norte com a China e o sul com os EUA. Não se pode perder de vista, entretanto, que essa não é a perspectiva justamente dos coreanos. Eles se veem como protagonistas do processo de paz e de reunificação em sua península e de sua nação, que está ocupada ou dividida desde 1910, e possui extensa e riquíssima História e cultura.
Isso ficou explícito nos encontros entre Kim e Moon Jae-in, presidente da Coreia do Sul. E foram esses encontros que geraram mais avanços: desmonte de campos minados, de postos de observação militares na fronteira, reintegração de linhas ferroviárias, criação de comissões permanentes inter-coreanas, equipes esportivas unificadas, dentre outros exemplos. Tal pensamento foi bastante reforçado no discurso de Ano Novo de Kim Jong-un. A ideia de que existe apenas uma nação coreana e que ela é protagonista de seu destino. Kim, diversas vezes, separou as ameaças “contra a república”, o Norte, dos desejos da nação, todo o povo coreano.
No discurso, a palavra “Sul” aparece impressionantes dezenove vezes, além de uma citação direta à Seul. O tema “reunificação” foi central, em um tom otimista, citando justamente as conversas entre Kim e Moon e que “nenhuma interferência de forças exteriores” podem ficar no caminho da “reconciliação, unidade e reunificação” nacional. No que o encontro entre Kim e Xi Jinping se encaixa? Ele pode ser preâmbulo não (pelo menos, não apenas) de um encontro com Trump, mas da esperada visita de Kim à Seul, retribuindo a última viagem de Moon. Um grande teste ocorrerá se Kim Jong-un pisar na capital da república do sul. Um teste não apenas da força das conversas, mas também da reação popular sul-coreana ao líder do norte, um autocrata que conduz um regime violador de direitos humanos.
O que pode vir pela frente
Seja com uma cúpula Kim-Trump, seja com uma Kim-Moon, ou ambas, três pontos dominarão as pautas. O primeiro é o estabelecimento de um acordo de paz definitivo e duradouro, que encerre oficialmente o status quo derivado da Guerra da Coreia, na década de 1950. Tal acordo depende dos EUA e da China, signatários do cessar-fogo. Um acordo de paz seria uma oferta de garantias ao norte, de que seu regime é reconhecido e que os EUA não atacarão na primeira brecha possível. Daria estabilidade para a península e serviria de ponto de partida para iniciativas mais ambiciosas, incluindo no campo econômico, pós-sanções.
A moeda de troca está no segundo ponto, a continuidade da desnuclearização da Coreia do Norte, agora com um cronograma estabelecido ou ações concretas que precisam ser tomadas. Em seu discurso de Ano Novo, Kim afirmou que está pronto para se encontrar com Trump novamente em qualquer momento, está aberto para a construção de uma nova relação com os EUA, deixando o “passado de dissabores” para trás. Continuou afirmando que seu país não realizará testes nucleares salvo seja ameaçado, tampouco cederá suas tecnologias nucleares e balísticas à terceiros.
Finalmente, o terceiro ponto é a continuidade da reaproximação entre as duas repúblicas coreanas. Algumas iniciativas já são comentadas, como a reativação do parque industrial de Kaesong, localizado na fronteira entre as repúblicas e que une empresas do sul e trabalhadores do norte, e também o incentivo ao turismo de cidadãos do sul ao monte Kumgang, tido como sagrado, e localizado no norte. Outras, mais ambiciosas, podem surgir. Uma reunificação abrupta é virtualmente impossível, entretanto, uma declaração de reconhecimento mútuo não deve ser descartada. Algo como a política “Dois Estados de Uma Nação alemã” de Willy Brandt, que assumiu em 1969 como chanceler da República Federal da Alemanha, a Alemanha Ocidental, e iniciou a reaproximação entre as Alemanhas da Guerra Fria. A política rendeu frutos duas décadas depois.
Itamaraty de Lula lidera lobby pró-aborto na ONU com radicalismo inédito
“Desastre de proporções bíblicas”: democratas fazem autoanálise e projetam futuro após derrota
Copom eleva juros e dá bronca no governo mais uma vez
Ainda sem acordo, Lula convoca novamente ministros que serão afetados pelos cortes
Deixe sua opinião