Uma das maiores eleições do ano ocorrerá este final de semana. Maiores no sentido literal, já que a Nigéria é uma das maiores populações do mundo, e mais de 84 milhões de cidadãos irão para as urnas. De uma vez só, os nigerianos escolherão 29 governadores, 109 senadores, 360 deputados federais e 991 deputados estaduais. E, principalmente, dezenas de candidatos para o posto principal, de presidente da república.
Além do tamanho da eleição, seu vulto político, econômico e simbólico também é enorme. A Nigéria, independente em 1960, teve apenas uma transição de governo entre opositores feita de forma pacífica e democrática, em 2015, quando Muhammadu Buhari derrotou o então presidente Goodluck Jonathan. O país é a maior economia da África sub-saariana e previsões colocam a Nigéria entre as dez maiores economias do mundo em 2050. Politicamente, a estabilidade é importante para a atração de novos investimentos e também para a resolução de conflitos sectários internos.
Uma colcha de retalhos
A atual Nigéria foi formada em 1914, como parte do império britânico. Ela estava dividida administrativamente entre duas metades, norte e sul. A região sul, por sua localização costeira, contou com maior interação e presença europeia. Isso significou uma região sul priorizada pela administração imperial, com maiores níveis de educação, em contraste ao norte pobre e rural, onde a escravidão só foi abolida formalmente em 1936.
Outra diferença deriva da presença britânica e a religiosa. No sul a maioria da população é cristã; ao leste, católicos, fruto de missionários franceses, enquanto o sudoeste é protestante. Isso enquanto o norte é de maioria muçulmana. No total, cristãos e muçulmanos correspondem a cerca de 40-45% da população cada. A essa variedade religiosa e uma demografia consequência de políticas coloniais soma-se a variedade étnica.
Dentro do mesmo território nacional habitam mais de 500 grupos étnicos, muitas vezes com costumes e lealdades diferentes. Daí a imagem de um país cheio de príncipes e líderes tribais diferentes, o que sustenta até correntes de spam pedindo dados bancários. Dentre as etnias, três são principais. Os hausa ao norte, os igbo ao leste e os yoruba do oeste. Os dois últimos grupos estão presentes na cultura e na variedade genética brasileira, já que são grupos de origem de diversos negros escravizados trazidos ao Brasil.
Depois da independência esse caldeirão ainda foi expandido, com a adição de parte do território britânico da antiga posse imperial alemã de Camarões, algo já comentado neste espaço sobre uma possível guerra civil na vizinha República de Camarões. A região norte da Nigéria ficou ainda mais inchada e, como resultado, a Nigéria estabeleceu um modelo federativo em 1963, com a ideia de dar mais autonomia para cada região.
Ditaduras militares
Uma federação de fachada, no final das contas, já que rivalidades regionais e brigas pelo poder causaram revoltas e guerras civis, como a conhecida Guerra de Biafra, entre 1967 e 1970. Outro elemento desses conflitos, especialmente no caso de Biafra, é a disputa pelo controle do petróleo, descoberto no país em 1907. Como resultado das disputas, o exército era, e é, visto como a única instituição de alcance nacional e capaz de manter o país unificado.
Unificado com a força, tanto que o país foi governado por ditaduras até 1979, e novamente entre 1983 e 1998. Um dos ditadores do país foi o atual presidente. Antes de ser eleito em 2015, Muhammadu Buhari, general do exército, foi o mandatário da Nigéria entre 1983 e 1985. Buhari é do povo fulani e muçulmano; seu pai era um chefe tribal local em Daura, no extremo norte do país, fronteira com o Níger. A maior parte da população da região é hausa.
Essas informações não são para “encher linguiça” em um texto, são essenciais para compreender a clivagem eleitoral na Nigéria. Nas eleições de 2015, Buhari venceu por cerca de dois milhões de votos, e teve uma vitória esmagadora justo na região norte de maioria muçulmana, além de bons resultados na região oeste. O norte possui cerca de 45 milhões de eleitores, contra cerca de 39 milhões ao sul.
As ofensivas contra o Boko Haram no norte do país podem, inclusive, prejudicar Buhari nas urnas. Centenas de milhares de eleitores ainda não retornaram para suas casas e o medo da violência pode fazer com que muitos fiquem em casa. Nas últimas eleições presidenciais o comparecimento foi de 43.65% do eleitorado. Além disso, para manter a representatividade federal, cada candidato precisa de ao menos 25% dos votos em dois terços dos estados.
Mesmo quintal eleitoral
Um dos fatores que torna a eleição nigeriana quase imprevisível é o fato de que o principal adversário do atual presidente é Atiku Abubakar, vice-presidente do país entre 1999 e 2007. Candidato pelo Partido Democrático Popular, de base conservadora, Abubakar possui uma biografia muito similar à de Buhari. É muçulmano, de uma família fulani do norte; em seu caso, da fronteira com Camarões. Ou seja, ambos os candidatos competirão por um eleitorado de base similar.
O que pode separar os candidatos, então, não é a origem étnica ou filiação religiosa, mas a economia, fator de preocupação universal na Nigéria. Enquanto Buhari teve sucesso em políticas sociais, a economia nigeriana vai mal, especialmente com as quedas do preço do petróleo. Mais de 90% da renda de exportação do país vem dos hidrocarbonetos, assim como 80% da renda do governo. Quase um quinto do PIB nigeriano é derivado dos hidrocarbonetos, com a maior reserva de petróleo da África e uma das maiores do mundo.
Enquanto Buhari carrega parte da responsabilidade pelo fracasso econômico, Abubakar pode se vender ao público como um homem de negócios de sucesso, um dos homens mais ricos do país e filantropo, com grandes doações e investimentos em educação. A American University of Nigeria foi fundada por ele, com prêmios mundiais. Claro, caso o eleitor opte por desconsiderar as acusações de lavagem de dinheiro e de conflito de interesse entre Abubakar o político e Abubakar o empresário.
Outros fatores entrarão em cena. A saúde frágil de Buhari, que passou semanas escondido do público, gerando desconfiança; as acusações da primeira-dama, de que “forças ocultas” tentam manipular seu marido, e causaram efeito desastroso, como fraqueza de Buhari; o fato do partido do atual presidente controlar alguns dos principais domicílios eleitorais do país, como Lagos; e o “pulso firme” do ditador feito presidente, que pode usar meios como compra de votos para alterar a balança. A certeza e de que será uma eleição apertada cuja repercussão dificilmente acaba no final de semana.